terça-feira, 8 de novembro de 2016

O Dia Zero

Abriu os olhos. Escutava ao fundo uma melodia extremamente agradável que o fazia lembrar-se de quando era pequeno, e ficava sentado no sofá observando seu pai cantarolar enquanto olhava pela janela em um dia de chuva. Aquela recordação era o mais puro e palatável sabor da verdadeira nostalgia. Algo que sentimos com sons, cheiros ou imagens especificas, que conseguem realmente te transportar a outra época.

Sem mesmo tomar por conhecimento que sua boca estava mexendo, começou a repetir a música em voz alta. Mas seu pai não estava ali, tampouco era um dia chuvoso. As coisas mudaram bastante nestes últimos anos e sentado na sala está seu filho vendo uma manchete de última hora na TV.


Bom dia garoto! Onde está sua mãe?

Está no quarto pai, ela preparou o café da manhã e deitou na cama. Não está se sentindo bem.

Ok! Vou lá dar uma olhada.

Devagar, foi abrindo a porta tentando evitar aquele velho rangido. Mas parecia que quanto mais devagar, mais a porta gritava de agonia para abrir. Sorrateiramente ele flutuou até o lado de sua esposa na cama. Ela estava pálida e suava muito, ele ficou realmente preocupado. Colocou a mão na testa da esposa para ver se podia estar com febre, mas para sua surpresa ela estava gelada.

Amor. Acorda você ta sentindo o quê?

Oi... Eu estou co duorjekl...

Desculpa amor, não entendi. Pode repetir?

PAAAAIIIII!!! – Foi desta forma que o garoto se fez ser ouvido na casa - e provavelmente na vizinhança toda.

O pobre homem disparou na direção do grito. Deu de cara com seu filho ajoelhado em frente ao televisor enchendo os pulmões. E berrando mais uma vez:

PAAAAIII, OLHA ISSO!

Calma Otavio! O que está acontecendo? Meu deus do céu, você quase me mata do coração.

O dedo do garoto apontava para a televisão tremendo como um pequeno galho no vento. O pai olhou sem entender as imagens que o televisor mostrava. Era na praça central da cidade, e estava uma confusão sem tamanho. Foi então que olhando mais detalhadamente percebeu que as pessoas estavam matando umas as outras e se devorando.

Mas antes mesmo que conseguisse dizer que aquilo tudo era só televisão, que não era real., foi interrompido pelo repórter, que cortou as imagens e voltou para o estúdio dizendo: “Senhoras e senhores é com grande pesar que relato que as imagens que acabaram de presenciar são reais, por favor não saiam de suas casas até que as autoridades locais consigam conter este problema”.

Os dois ficaram estarrecidos olhando o televisor, enquanto a programação voltava para um desenho animado.

Pai isso é real? Porque aquelas pessoas estão fazendo isso?

Não sei filho, vai ver sua mãe no quarto. O papai vai procurar se tá falando algo em outro canal.

O filho foi correndo para o quarto da mãe, deixando o pai na sala com controle na mão trocando de canal desesperadamente em busca de mais informações. Que espetáculo de horror foi aquele. Pensou que pudesse ser alguma briga de gangue, mas havia muitas pessoas, incluindo velhos. Velhos não são membros de gangue, ele pensava enquanto trocava de canal.

NÃOOO!!!!! PAI SOCORRO!!!!!

Mais uma vez o garoto gritava desesperado por ele e agora vinha do quarto. O que podia ter acontecido? Será que sua esposa estava tendo um ataque ou desmaiada? Um universo de possibilidades passou em sua cabeça em frações de segundos. Quando chegou ao quarto, seu coração parou por segundos, vendo sua esposa segurar seu filho pelos braços e o morder violentamente no pescoço.

Sua reação foi correr e empurrar a mulher com toda força contra a parede, mas ela não se contentou. Ensandecida, ela gritava e espumava pela boca, correndo em direção dos dois. Ele não teve escolha, acertou um soco quebrando o nariz dela. Ela caiu no chão, mas não desmaiou. Levantou e veio novamente. Ele deu mais um soco que fez parecer que ela havia desmaiado. Ele pegou o filho no colo e trancou a porta do quarto com a chave por fora.

Colocou o garoto que chorava enquanto se esvaia em sangue no sofá e correu para prateleira de remédios no banheiro, em busca da caixa de primeiros socorros. Ele jogou antisséptico no ferimento, fazendo o garoto urrar de dor e tamponou com uma gaze. Segurando o machucado ele começou a chorar sobre o filho. O garoto com a voz chorosa perguntou:

Pai, por que ela fez isso?

O pai chorando, olha seu filho e o aperta contra o peito dizendo:

Não sei! Não sei!

Eles ficaram alguns minutos abraçados enquanto o pai chorava sobre o corpo do filho, até que notou que garoto não possuía mais movimento e estava gelado. Ele verificou que não havia mais pulso, o pequeno garoto havia perdido muito sangue. Ele pôs o corpo no sofá e zanzou pela sala com a mão na cabeça enquanto chorava.

Por quê? Por que Deus? O que está acontecendo?

O garoto então começou a resmungar e balbuciar coisas sem sentido. O pai caminhou até o sofá e o garoto abriu os olhos. Eles estavam totalmente brancos, como se o garoto tivesse adquirido catarata. Sua feição estava pálida e seu rosto sem expressão. O pai sabia que aquilo ali deitado não era mais o seu garotinho. Ele correu até seu escritório abriu a gaveta da escrivaninha e de um fundo falso retirou uma arma carregada.

Quando se virou para voltar a sala, de pé na porta estava o garoto ensanguentado e babando, com uma expressão demoníaca em seu olhar. Ele apontou a arma para o rosto do filho e disse:

Desculpa! Eu te amo!

O estampido do revólver fez Marina levantar aos gritos de onde estava deitada. Mas estava presa em um emaranhado de fios e grudada a uma espécie de poltrona de massagem reclinável. Desesperada, ela olhou ao seu redor na tentativa de encontrar algo familiar. E viu um senhor de jaleco branco a sua frente dizendo:

Acalme-se Marina, você está no museu de realidade aumentada das Nações Unidas da Terra. Isto foi apenas um passeio extrassensorial pelo dia 18 de janeiro de 2022, durante o dia zero da epidemia de raiva humana. Agora seu cérebro a trará lentamente até os dias de hoje, 2132.


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