Abriu
os olhos. Escutava ao fundo uma melodia extremamente agradável que o fazia
lembrar-se de quando era pequeno, e ficava sentado no sofá observando seu pai
cantarolar enquanto olhava pela janela em um dia de chuva. Aquela recordação
era o mais puro e palatável sabor da verdadeira nostalgia. Algo que sentimos
com sons, cheiros ou imagens especificas, que conseguem realmente te
transportar a outra época.
Sem
mesmo tomar por conhecimento que sua boca estava mexendo, começou a repetir a música
em voz alta. Mas seu pai não estava ali, tampouco era um dia chuvoso. As coisas
mudaram bastante nestes últimos anos e sentado na sala está seu filho vendo uma
manchete de última hora na TV.
— Bom dia garoto! Onde está sua mãe?
— Está no quarto pai, ela preparou o café da manhã e deitou
na cama. Não está se sentindo bem.
— Ok! Vou lá dar uma olhada.
Devagar,
foi abrindo a porta tentando evitar aquele velho rangido. Mas parecia que
quanto mais devagar, mais a porta gritava de agonia para abrir. Sorrateiramente
ele flutuou até o lado de sua esposa na cama. Ela estava pálida e suava muito,
ele ficou realmente preocupado. Colocou a mão na testa da esposa para ver se
podia estar com febre, mas para sua surpresa ela estava gelada.
— Amor. Acorda você ta sentindo o quê?
— Oi... Eu estou co duorjekl...
— Desculpa amor, não entendi. Pode repetir?
— PAAAAIIIII!!! – Foi desta forma que o garoto se fez ser
ouvido na casa - e provavelmente na vizinhança toda.
O pobre
homem disparou na direção do grito. Deu de cara com seu filho ajoelhado em frente
ao televisor enchendo os pulmões. E berrando mais uma vez:
— PAAAAIII, OLHA ISSO!
— Calma Otavio! O que está acontecendo? Meu deus do céu,
você quase me mata do coração.
O dedo
do garoto apontava para a televisão tremendo como um pequeno galho no vento. O
pai olhou sem entender as imagens que o televisor mostrava. Era na praça
central da cidade, e estava uma confusão sem tamanho. Foi então que olhando
mais detalhadamente percebeu que as pessoas estavam matando umas as outras e se
devorando.
Mas
antes mesmo que conseguisse dizer que aquilo tudo era só televisão, que não era
real., foi interrompido pelo repórter, que cortou as imagens e voltou para o
estúdio dizendo: “Senhoras e senhores é com grande pesar que relato que as
imagens que acabaram de presenciar são reais, por favor não saiam de suas casas
até que as autoridades locais consigam conter este problema”.
Os dois
ficaram estarrecidos olhando o televisor, enquanto a programação voltava para
um desenho animado.
— Pai isso é real? Porque aquelas pessoas estão fazendo
isso?
— Não sei filho, vai ver sua mãe no quarto. O papai vai
procurar se tá falando algo em outro canal.
O filho
foi correndo para o quarto da mãe, deixando o pai na sala com controle na mão
trocando de canal desesperadamente em busca de mais informações. Que espetáculo
de horror foi aquele. Pensou que pudesse ser alguma briga de gangue, mas havia
muitas pessoas, incluindo velhos. Velhos não são membros de gangue, ele pensava
enquanto trocava de canal.
— NÃOOO!!!!! PAI SOCORRO!!!!!
Mais
uma vez o garoto gritava desesperado por ele e agora vinha do quarto. O que
podia ter acontecido? Será que sua esposa estava tendo um ataque ou desmaiada? Um
universo de possibilidades passou em sua cabeça em frações de segundos. Quando
chegou ao quarto, seu coração parou por segundos, vendo sua esposa segurar seu
filho pelos braços e o morder violentamente no pescoço.
Sua
reação foi correr e empurrar a mulher com toda força contra a parede, mas ela
não se contentou. Ensandecida, ela gritava e espumava pela boca, correndo em
direção dos dois. Ele não teve escolha, acertou um soco quebrando o nariz dela.
Ela caiu no chão, mas não desmaiou. Levantou e veio novamente. Ele deu mais um
soco que fez parecer que ela havia desmaiado. Ele pegou o filho no colo e
trancou a porta do quarto com a chave por fora.
Colocou
o garoto que chorava enquanto se esvaia em sangue no sofá e correu para
prateleira de remédios no banheiro, em busca da caixa de primeiros socorros.
Ele jogou antisséptico no ferimento, fazendo o garoto urrar de dor e tamponou
com uma gaze. Segurando o machucado ele começou a chorar sobre o filho. O
garoto com a voz chorosa perguntou:
— Pai, por que ela fez isso?
O pai
chorando, olha seu filho e o aperta contra o peito dizendo:
— Não sei! Não sei!
Eles
ficaram alguns minutos abraçados enquanto o pai chorava sobre o corpo do filho,
até que notou que garoto não possuía mais movimento e estava gelado. Ele
verificou que não havia mais pulso, o pequeno garoto havia perdido muito
sangue. Ele pôs o corpo no sofá e zanzou pela sala com a mão na cabeça enquanto
chorava.
— Por quê? Por que Deus? O que está acontecendo?
O
garoto então começou a resmungar e balbuciar coisas sem sentido. O pai caminhou
até o sofá e o garoto abriu os olhos. Eles estavam totalmente brancos, como se o
garoto tivesse adquirido catarata. Sua feição estava pálida e seu rosto sem
expressão. O pai sabia que aquilo ali deitado não era mais o seu garotinho. Ele
correu até seu escritório abriu a gaveta da escrivaninha e de um fundo falso retirou
uma arma carregada.
Quando
se virou para voltar a sala, de pé na porta estava o garoto ensanguentado e
babando, com uma expressão demoníaca em seu olhar. Ele apontou a arma para o
rosto do filho e disse:
— Desculpa! Eu te amo!
O
estampido do revólver fez Marina levantar aos gritos de onde estava deitada.
Mas estava presa em um emaranhado de fios e grudada a uma espécie de poltrona
de massagem reclinável. Desesperada, ela olhou ao seu redor na tentativa de
encontrar algo familiar. E viu um senhor de jaleco branco a sua frente dizendo:
— Acalme-se Marina, você está no museu de realidade
aumentada das Nações Unidas da Terra. Isto foi apenas um passeio
extrassensorial pelo dia 18 de janeiro de 2022, durante o dia zero da epidemia
de raiva humana. Agora seu cérebro a trará lentamente até os dias de hoje, 2132.
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