terça-feira, 22 de novembro de 2016

O Trem

Um senhor na casa dos seus cinquenta anos dirigia de um estado para outro, com o intuito de participar de uma reunião de negócios. Ao longo do caminho seu celular tocou várias vezes, mas ele apenas checava de quem era a ligação e desligava a chamada. Assim foi ao longo de todo seu trajeto, até que em um determinado ponto da estrada seu carro começou a falhar. Nervoso, pois estava com medo de perder uma importante reunião, olhou ao seu redor como quem buscasse uma solução divina para o problema.

Em meio ao nervosismo da situação avistou uma pequena placa que indicava uma estrada de chão saindo da rodovia principal, onde estava trafegando. Com o seu carro quase parando, dirigiu por alguns quilômetros estrada adentro, até que chegou em um pequeno vilarejo. Ao chegar na praça do pequeno local, seu carro deu o último suspiro de vida e parou de funcionar.


O homem saiu do carro esbravejando e chutando a porta do veículo e andou em direção ao que parecia ser uma velha estação de trem. As teias de aranha enfeitavam o teto do local como se fosse uma decoração mórbida e o mato tomava conta dos trilhos do trem - a primeira vista era um local abandonado. Porém, um velho senhor cochilava, segurando um jornal atrás do guichê.

O velho abriu um dos olhos e antes mesmo que homem mexesse a boca falou:

— Boa tarde. Daqui a meia hora sai o último trem. O senhor pode sentar no banco da plataforma e esperar.

— Muito obrigado senhor! Mas gostaria de saber se ele vai para o estado vizinho e quanto custa a passagem.

O velho deu um sorriso desdentado e respondeu:

— Vai para o estado vizinho e além, meu amigo. Quanto a passagem pode ficar tranquilo, não vou lhe cobrar, pois afinal esta é a última viagem que este velho trem fará.

— Como assim o senhor não vai cobrar? Só porque é a ultima viagem do dia?

— Não meu amigo, é a ultima viagem da vida desta velha máquina. Este trem, juntamente com esta linha, serão desativados hoje após esta última viagem.

O homem deu um sorriso confuso, pensando que a sua sorte havia mudado. Acenou com a cabeça como quem diz sim e sentou no banco da estação. Não demorou muito para um pequeno garoto que devia ter seus nove ou oito anos sentar ao seu lado. O garoto segurava uma bola de couro surrada e uma mochila jeans muito parecida com uma que teve em sua infância.

Ele ficou olhando para o garoto que lembrava muito seu filho mais novo. Até que o pequenino olhou para ele de volta e disse:

Olá! Meu nome é Carlos e o seu?

O homem ficou espantado com a coincidência e respondeu ao garoto com surpresa:

O meu nome também é Carlos. Mas você também espera o trem? Vai embarcar sozinho?

Quando terminou de dizer, ouviu o forte apito do trem que chegava, inundando a estação com a sua fumaça. A conversa foi interrompida e ambos subiram no trem que estava, por enquanto, vazio. O homem sentou em uma poltrona e para sua surpresa, mesmo cheio de lugares vagos, o garoto sentou ao seu lado.

— Aonde o senhor vai? – disse o garoto.

— Vou a uma reunião de negócios no estado vizinho.

— Que legal eu tô indo ver minha avó, é a primeira vez que minha mãe me deixa ir sozinho de trem visita-lá.

O homem lembrou-se da infância e que o mesmo fato havia ocorrido com ele quando era mais novo, com seus dez para onze anos. Ele fez sua primeira viagem sozinho para a casa da sua avó, e sua mãe havia lhe embarcado no trem e sua avó o pegou na estação combinada. A conversa entre os dois se estendeu e o homem percebeu que tinha muito em comum com o garotinho. Até que o trem chegou a uma estação antiga mas muito limpa e bem cuidada. Os dois se despediram e o garoto desceu.

O homem ficou olhando, mas o pequeno Carlos sumiu sem deixar vestígios na plataforma. Enquanto procurava pela janela sentiu a pressão de alguém sentando ao seu lado no banco do trem. Olhou de relance e viu um jovem que aparentava ter entre dezesseis e dezoito anos. O susto foi instantâneo, pois não se tratava apenas de um jovem, mas de um jovem muito parecido com ele e que usava uma jaqueta jeans igual a uma jaqueta que comprou quando adolescente com seu primeiro salário.

— Desculpa! Mas qual é seu nome? – disse o Homem.

O rapaz olhou para ele desconfiado e respondeu:

— Carlos! Por quê?

O homem sem entender o que estava se passando arguiu o rapaz com todo tipo de pergunta, que mesmo espantado com a atitude do homem, respondia. Após alguns minutos de viagem as semelhanças entre o rapaz chamado Carlos e o homem de nome Carlos eram enormes. Coisas como o sobrenome, o nome dos pais, namorada, emprego tudo era igualzinho. Até que rapaz se levantou e disse:

— Olha senhor foi bom conversar contigo, mas a minha estação chegou.

A estação onde o rapaz desceu era um pouco mais moderna, porém vazia como a outra, o que chamou a atenção do homem. A semelhança desta estação com a do metrô da cidade onde morava atualmente era enorme, mas não agora e sim quando desembarcou na cidade pela primeira vez, com seus vinte poucos anos. Foi quando se viu entrando no trem com seus quase trinta.

Era inacreditável desta vez não era alguém parecido ou com histórias similares. Este rosto já era o seu rosto de hoje - claro, menos cansado e abatido pelas intempéries da vida. Entretanto era o seu rosto. Como isso era possível? Ficou acompanhando o sujeito que mesmo com o trem vazio sentou justamente ao seu lado. Ao sentar o homem não se contentou e disse:

— Olá Carlos!

O rapaz olhou surpreso e respondeu:

— Olá! Mas desculpa, não estou lembrado do senhor.

O homem sorriu e continuou:

— Você esta com quantos anos? Trinta! Seu filho Roberto já nasceu?

O rapaz arregalou o olhou e respondeu surpreso.

— Sim! Eu tenho trinta e minha esposa está grávida de um menino que se chamará Roberto. Mas como o senhor sabe disso?

O homem deu gargalhadas histéricas como se tivesse perdido a razão. Despejou um mundo de perguntas e teorias sobre o que estava acontecendo com ele dentro do trem. O rapaz ouviu atentamente, ora concordando com o que velho Carlos dizia, ora discordando. Para sua surpresa o velho Carlos não estava com medo e sim maravilhado com aquilo. Não conseguia achar uma explicação, mas era uma sensação indescritivelmente gostosa.

Então em uma estação fria e chuvosa toda depredada por vandalismo, pichações e bancos quebrados, o Carlos de trinta anos desceu. Porém, para a surpresa do velho Carlos desta vez ninguém subiu, e ele seguiu a viagem a sós naquele trem vazio. As paisagens foram ficando cada vez mais soturnas e frias e a tristeza tomou conta daquele velho vagão.


Foi neste instante entre boas lembranças de uma vida bem vivida e uma estranha sensação de fim, que Carlos se deu conta que a viagem de sua vida estava acabando. Restava a ele apenas imaginar o quê ou quem o esperava na sua próxima – e última – estação.

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