segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Lembranças Esquecidas

Ele acordou em sua velha casa da arvore. Foi um espanto, pois seu pai, que a construiu, foi o mesmo a derrubá-la anos depois,­ após a arvore ser atingida por um raio no final do verão. Estava deitado ao chão sem conforto algum, mas acordou com o descanso de quem havia  dormido em uma cama de palácio.

Sentiu o chão descalço. Vestia sua adorada blusa azul de botões e uma bermuda de pano bem confortável.A sensação era ótima, há muitos anos não sentia isso. Era das aulas da faculdade para o laboratório do laboratório para a faculdade. E se lembrou de que já fora casado com uma mulher maravilhosa, mas a corrida do dia a dia havia os afastado.


Nunca teve tempo para pensar em filhos, talvez por isso o casamento tivesse chegado ao fim. Chegou a cogitar que ela pudesse estar ali também, por isso correu para a janela da velha casa na árvore. Mas notou que estava só em uma pequena ilha, não muito maior do que uns oito metros quadrados, cercada por um imenso lago que ao seu final banhava uma montanha com os picos cheios de neve. Lembrava em muito a imagem do Monte Fuji, mas a montanha inteira estava ao seu redor.

Desceu pela escada de madeira da pequena casa da árvore e constatou que era somente isso. Uma pequena casa da árvore em uma ilhota, dentro de um lago que parecia estar cercado por montanhas. Mas como havia parado neste lugar se não possuía nenhum sinal de que havia um barco por ali? Sentou e pôs a mente para trabalhar, coisa que estava doutrinado a fazer sempre que precisava chegar a uma conclusão lógica.

Mas sua memória era como um rascunho velho faltando páginas. O que parecia ser o último mês de que se lembrava, eram apenas fragmentos desconexos. Ao tentar juntar os pedaços foi arrebatado por uma forte dor de cabeça. Sem saber o que fazer, começou a chorar e se deu conta que não fazia isto há muito tempo. Até que uma voz leve e confortante quebrou o seu choro.

- Olá! Que bom que te encontrei, até que foi rápido.

Levantou a cabeça e pôde observar ao seu lado a mulher que havia sido sua esposa. Estava usando um vestido verde longo, que sempre adorava vê-la usando. Estava com os cabelos soltos e um sorriso reconfortante. Levantou rapidamente e disse:

- O que estava fazendo aqui? O que nós estamos fazendo aqui? Na verdade o que é aqui?

Ela abriu um largo sorriso.

- Calma! Eu não sou a Olga. Você me vê como ela porque é o que você precisava ver agora. A sua mente torna tudo o mais confortável possível.

Ele franziu a testa e rebateu as palavras da mulher.

- Como assim não é Olga? Então o que você é?

- O importante não é quem eu sou e sim quem é você. O senhor é Isaac Peterson correto?!

O homem olhou ainda assustado e consentiu acenando a cabeça.

- O senhor é um renomado neurocientista ganhador do prêmio Nobel de medicina. O senhor lembra-se deste fato?

O homem olhou ao seu redor e respondeu.

- Sim.

-Senhor Isaac, consegue lembrar qual foi a descoberta que lhe rendeu este prêmio?

- Ganhei o Nobel por demonstrar que o cérebro mesmo morto consegue guardar resquícios de suas lembranças e que é possível através da robótica extrair algumas destas lembranças.

Peterson parou contemplativo e com medo da resposta indagou:

Eu estou morto?!

A mulher deu um passo à frente pegou em sua mão e continuou.

- Peterson todos nós sabíamos que entenderia isso rapidamente. Agora preciso que mantenha a sua mente aberta. Tudo bem?

O velho homem olhou nos olhos do que parecia ser sua antiga esposa e disse:

- Pode me contar! Como eu morri? E porque você está aqui?

A mulher sorriu mais uma vez e prosseguiu.

- Você morreu em um acidente de carro enquanto falava com sua ex- esposa em um aparelho que chamavam de smartfone. Seu carro atravessou a pista e acertou um caminhão. Isso foi no ano de 2025.

Peterson começou a suar frio e a coçar a sua barba.

- Em que ano estamos agora senhorita. Poderia me dizer?

- Claro. Estamos no ano de 2125, muita coisa mudou desde a sua morte.

- Se estou morto porque você está aqui na minha mente?

- Hoje faz cem anos desde que você partiu. E trabalhamos arduamente nos últimos anos para que nesta data em especial pudéssemos dar o maior passo dado até hoje pela ciência. Nós vamos lhe trazer de volta a vida.

O homem que até então estava extasiado com tudo que estava ocorrendo, mudou o seu semblante, virou-se para o que parecia ser a sua antiga esposa e falou:

- Eu não vou voltar! Você não é Olga! Portanto não sabe qual foi a última frase que trocamos antes do meu acidente!

A mulher olhou com um ar de surpresa e segurou o rosto em lágrimas de Peterson.

- Pode me dizer senhor Peterson. Estou aqui para te ajudar.

Ele olhou com os olhos vermelhos de lágrimas.

- Eu desisto da vida! Foi isso que eu disse a ela.

A mulher sumiu, tudo ao redor de Peterson se tornou escuro sem nenhuma referência espacial e ele se viu envolto por uma escuridão plena. E escutou uma voz bem ao fundo dizendo.


“Falhamos mais uma vez doutor, ele se recusa a voltar. Enquanto isso sua mente ficará presa no limbo.”

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