Incessantemente ele pedalou sua
bicicleta, afinal não é todo dia que se tem um encontro com Geovana. Mesmo com
o peito queimando de dor e os joelhos em carne viva ele não desistiria disso.
Já havia desistido de muitas coisas na vida apesar de ser jovem. Um exemplo era
o livro de fantasia que escreveu durante o verão. Geralmente meninos da oitava
série estão botando fogo no mundo durante as férias. Mas Fellipe não! Ele preferia
ficar a só escrevendo ou jogando vídeo game.
Enquanto pedalava, para obter
forças, ele revia em sua mente o momento em que Geovana veio até ele no
corredor da escola. Quando ela o chamou para a festa de Halloween, ele sentiu
que havia achado o bilhete dourado em uma barra de Wonka. Apesar de ser um poço
de covardia ele aceitou o convite. No mesmo dia foi até a loja de fantasias e
comprou uma roupa de caveira. Ele gostou tanto que pensou em fazer a fantasia
como pijama após a festa.
Finalmente Fellipe chegou ao
local combinado. Após observar varias bruxinhas, diabinhas e princesas ele
finalmente achou Geovana - no canto da porta vestida de Super Mario. Ele olhou
para ela atônito e perguntou como quem duvida de algo:
—
Geovana?! É você mesmo?
Ela olhou espantada para ele e
continuou a conversa.
— Sou
eu sim. Mas o que aconteceu com você?
Foi nessa hora que a dor no peito
e joelhos resolveu aparecer de verdade. Fellipe estava maltrapilho, com sua
roupa rasgada em vários pontos e a máscara de caveira rachada. As rodas de sua
bicicleta estavam tortas e o banco havia partido ao meio. Ele ficou
extremamente sem jeito de estar assim. E resolveu desviar a atenção do seu
estado.
— Isso
não foi nada! Tive um contratempo. Mas você conhece o Super Mario, que legal!
Geovana deu um sorriso sincero
acenando com a cabeça.
—
Sim! Não é o jogo mais legal do mundo?
Fellipe estava extasiado. Era sem
sombra de dúvidas o melhor momento de toda a sua vida. A garota que ele sempre
foi secretamente apaixonado não só o chamou para a festa, como está vestida do
seu jogo favorito. Era tão improvável que isso acontecesse, que ele acabou
perguntando:
— Desculpa
Geovana. Mas por que você me convidou se nós nunca nos falamos direito na
escola?
As bochechas de Geovana acenderam
como um farol vermelho. E na hora entrelaçou os dedos cruzando as suas mãos.
— Eu
vou me mudar mês que vem! Queria me despedir de você caso eu nunca mais o veja...
Isso era muito estranho para a cabeça
do rapaz. Como assim se mudar? Agora que parecia que as coisas finalmente
estavam acontecendo em sua vida. Ele passou da primeira série até agora mandando
bilhetinhos secretos, fantasiando com um dia em que falaria com Geovana sobre algo
mais interessante do que responder qual foi o capítulo do dever de casa. Ele
ficou claramente abatido, e se pegou olhando para seus pés. Notando finalmente
que estava sem um pé do tênis. Instintivamente ele falou em voz alta seu
pensamento.
—
Perdi um tênis!
Geovana caiu na gargalhada
dizendo:
—
Eu vi quando chegou, mas achei melhor não falar nada.
A noite já estava sendo bem
incomum para Fellipe. Então ele decidiu cruzar a tênue linha que o impedia de
ir em frente com suas coisas a vida toda. Arrancou o tênis jogou longe e falou.
—
Quem precisa de tênis quando se está com o Super Mario?
Geovana deu risada e ofereceu seu
braço. Ele entrelaçou o braço da jovem e entraram para a festa sorrindo. Pronto,
este seria o grande final feliz que os aguardava, que você tanto esperou para
ler, mas as coisas não são assim! Os finais felizes nem sempre vem da maneira
que esperamos e este 31 de novembro de 1990 seria bem diferente para o jovem
casal.
Os dois estavam dançando e
curtindo a festa quando começou a tocar Nothing
Compares to you, uma música lenta que fez muito sucesso aquele ano,.Seus
olhos se cruzaram e a dança que era apenas uma distração, se tornou algo mais.
Eles se abraçaram no meio do salão enquanto dançavam juntinhos e Geovana disse
ao seu ouvido.
— É
uma pena que demoramos tanto para nos conhecermos de verdade.
Fellipe iria dizer – eu também
acho – entretanto um olhar repentino para a porta do salão chamou a sua
atenção. Uma figura conhecida, mas que não devia estar ali, olhava da porta
atento para os dois. Há uns dois anos, um primo de Fellipe havia morrido em um
acidente e o garoto que estava ali olhado da porta era praticamente a sua
cópia.
O rapaz se desvencilhou do abraço,
esqueceu a dança e correu o mais rápido que pôde para a porta. Geovana foi
atrás sem entender, pensando se fora algo que havia falado. E encontrou Fellipe
olhando para a rua vazia, parado como uma estátua. O garoto realmente se
parecia como uma estátua, pois além de estar imóvel seu rosto estava pálido
como mármore. Geovana então o tomou pelo braço e notou que ele estava gelado.
Sem entender o que se passava, perguntou:
— O
que está havendo? Você está bem?
Fellipe olhou angustiado para a
garota que sempre sonhou em conhecer de verdade. E sua voz era embargada como
de uma criança que está prestes a chorar.
—
Porque toda essa gente está andando na mesma direção?
Geovana olhou para rua e voltou a
olhar para rosto de Fellipe procurando algum sinal de riso.
— Como
assim? A rua está vazia! Para de brincadeira vamos entrar.
O rapaz levou as mãos à cabeça,
pois ela estava doendo muito, assim como seu peito. Segurou o rosto de Geovana
e repentinamente lhe deu um beijo. As lágrimas escorriam pelo seu rosto e sua
mão tremia. Estava feliz, pois em sua mente inúmeras vezes havia imaginado esse
momento. E agora que aconteceu era tão maravilhoso que não queria que acabasse
jamais. Mas ele sabia que era seu primeiro e último beijo.
— Não
sei dizer por que, mas eu tenho que partir. Alguma coisa deu errada enquanto eu
vinha para ver você. Mas eu não podia deixar de vê-la.
Geovana sorriu feliz e confusa.
—
Mas acabou de dar meia noite, minha mãe disse que me buscaria meia noite e
meia. Por que você vai, você tem que ir para casa?
—
Não vou mais voltar para casa, olha eu só precisava te falar que sempre te amei
e sempre irei te amar.
Geovana o segurou firme pelo
braço, sem entender o que estava acontecendo, mas foi em vão. Ele seguiu
andando como se não houvesse nem sido tocado por ela. Ela ficou ali parada na
porta vendo Fellipe caminhar e sumir em meio à névoa que se formava no fim da
rua. Ficou ali parada olhando até sua mãe chegar para buscá-la. Seguiu o
caminho sem dizer nada e dormiu com um sentimento estranho. Uma mistura de
felicidade e tristeza.
Na manhã seguinte sua mãe lhe
acordou com café na cama. Com um olhar de angústia e agradecimento em ver a
filha bem. Geovana não entendia muito bem o que estava acontecendo era uma
quinta feira com uma cara de domingo. E sua mãe lhe falou:
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