domingo, 15 de dezembro de 2013

A Sexta Feira

Há de chegar um dia, em que tudo o que disse, todas as experiências que passei serão apenas contos. Muito se perderá e não se terá certeza de quase nada. Esses contos serão passados entre as pessoas até que virem a velha historia do “ O Amigo do Amigo do meu Amigo”. E ninguém mais acreditará. É uma pena, pois se as pessoas dessem ouvidos as antigas lendas urbanas, estariam protegidas e preparadas para o absurdo.

Sei disso porque nunca dei ideia para sexta feira treze. Para mim era uma data como outra qualquer, contudo um dia eu estava no ponto esperando o ônibus. Já havia escurecido quando uma senhora bem velhinha e curvada, veio até a mim dizendo:


- Boa noite Senhor! O ônibus que vai para o bairro dos palmares já passou?

Amigavelmente respondi à senhora.

-Sim já passou! Senhora.

A velinha fez uma cara de agonia, e como alguém que está apavorada, começou a olhar para os lados. Enfiou a mão dentro da bolsa, retirou um terço e começou a rezar. Só estávamos eu e ela no ponto, achei curiosa a reação dela e resolvi perguntar:

- Desculpa senhora. Mas a senhora está preocupada com alguma coisa?

- Sim meu filho, hoje é sexta feira treze.

Não aguentei e dei uma risada espontânea, porém me segurei para não rir mais. Pois era uma senhora de idade não cabia debochar da crença dela.

- É meu filho pode rir. Você deve estar pensando que a velha aqui está caducando.

- Não senhora, de jeito nenhum. Só acho que não precisa se preocupar, o próximo ônibus já vem.

- É meu filho só que durante a noite de sexta feira treze, os mortos podem andar entre nós. Pois por algumas horas os portões que separam o mundo dos mortos do nosso, fica aberto.

Segurei para não rir novamente. Só que a senhorinha estava mesmo preocupada. Dava para ver o medo no seu semblante. Ela pendurou o terço como se fosse um colar, envolta do pescoço. E saiu andando e dizendo.

- Eu que não vou ficar aqui parada, vou voltar para a casa da minha patroa e dormir lá.

Após a velha sair fiquei rindo sozinho pensando no que ela havia dito. O local aonde eu estava era afastado e longe do centro. Quase não havia casas, a maioria era comercio e já havia fechado. Realmente era perigoso ficar ali a esta hora, mas não por ser uma sexta feira treze.

Foi quando um nevoeiro espesso começou a surgir e cobriu boa parte da rua. Achei estranho, mas continuei ali parado no ponto. Quando vi o que parecia ser dois faróis. Fiquei olhando atentamente, e quando passou por mim notei que realmente era um ônibus. Mas parecia estar caindo aos pedaços, e somente havia o motorista, e sua pele era enrugada e cadavérica.

Tomei um susto, mas pensei comigo:

- Só pode ser imaginação.

Como o ônibus passou rápido não deu para ter certeza, mas parecia que o motorista estava morto. Comecei a ouvir sussurros por toda parte na rua. Eram bem suaves e baixos, mas eram horripilantes de se escutar. Imediatamente fiquei tenso, e olhei para os lados. O nevoeiro só aumentava. Uma figura baixinha e curvada veio em meio ao nevoeiro.

Era a senhorinha que havia perdido o ônibus. Quando ela se aproximou, notei que estava muito pálida e com os olhos avermelhados de sangue. No seu pescoço no lugar do terço, havia um pedaço de corda bem apertado. Ela vinha na minha direção balbuciando palavras sem sentido:

- Dor, Vingança, Morte!

Eu corri então o mais rápido que pude na direção contraria, quando comecei a correr notei que a paisagem ao meu redor estava muito estranha, as casas, prédios, lojas haviam sumido. Só restava em volta árvores retorcidas, e o chão havia se tornado um enorme lamaçal. Parecia que eu havia sido transportado para um pântano. Continuei correndo sem direção.  Tropecei e cai.

Levantei e percebi que havia tropeçado em um tumulo, eu estava rodeado de túmulos. Alguns com cruzes de madeira malfeitas, outros com lápides enormes de mármore. Fiquei desesperado e chorei como uma criança. As vozes aumentaram, e por todos os lados havia mortos se levantando de suas covas.

Voltei a correr sem rumo, desviando dos cadáveres apodrecidos, que vagavam na minha direção. Corri até as pernas não aguentarem mais. Meu joelhos doíam e minha barriga queimava,  então me joguei ao chão e comecei a rezar e chorar. Senti os mortos se aproximarem e começaram a tocar meu corpo. Quando uma forte luz e um barulho estrondoso espantaram a todos. A névoa se desfez como mágica, e eu estava de volta ao bairro. Jogado no chão no meio da rua, sujo e desesperado.

O motorista desceu do ônibus preocupado e me perguntou:

- O senhor está passando mal?

Desesperado olhando ao redor eu respondi:

-Não obrigado, eu estou bem! Por favor, me leva embora daqui! Eu tenho dinheiro me deixa pegar este ônibus, pelo amor de Deus.

-Sim claro, se acalme pode entrar.


Já dentro do ônibus eu ainda estava desesperado e sem entender o que havia acontecido. Resolvi olhar as horas. Eram meia noite e um, a sexta feira havia acabado. Olhei para o lado de fora do ônibus enquanto ele partia. No ponto estava a velhinha que havia me falado sobre a sexta feira treze, acenando um tchau com a mão e sorrindo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário