domingo, 1 de dezembro de 2013

A Origem

Há alguns dias um dos meus netos me fez uma pergunta intrigante. Estávamos sentados sobre a mesa da cozinha, e eu contava uma de minhas histórias. Já era bem tarde, e eles prestavam atenção em minhas palavras, com uma expressão de surpresa. Quando um deles fez a grande pergunta:

- Vô! O senhor já passou por tanta coisa. Nunca se perguntou o porquê de tanto azar na vida?


- Sim! Já pensei nisso, mas não chamaria de azar. Na verdade perguntei isso à bisavó de vocês.

- E o que ela disse vô?

- Tenho certeza de que gostarão de ouvir esta história.

O Pai de minha mãe, o tataravô de vocês, era muito conhecido por sonhar com coisas que acabavam acontecendo. Ele era uma espécie de sensitivo, e era muito religioso, era sempre procurado para rezar pessoas que estavam doentes ou com problemas. Assim que ficou sabendo que minha mãe, a avó de vocês, estava grávida resolveu rezar o bebê em sua barriga.

Como já havia dito ele era um homem muito especial, e na noite logo após a reza ele sonhou com minha mãe. Em seu sonho ela estava deitada em uma mesa de mármore branco, coberta com flores, usava apenas um vestido branco, e em sua barriga havia uma grande mancha de sangue. Meu avô acordou assustado e suado e já sabia o que iria acontecer. Eu não iria nascer, iria morrer dentro da minha mãe.

Meu avô passou algumas semanas angustiado, e resolveu dizer a minha mãe sobre o sonho para que ela se preparasse e não sofresse tanto com a perda. Porém o efeito foi contrário, minha mãe entrou em depressão e não queria mais comer e nem sair do quarto. Aos poucos foi ficando fraca e desgostosa com a vida. Bom, em resumo ela começou a adoecer e só repetia a frase:

- Eu quero ver o meu filhinho nascer.

Isso esmagou meu avô por dentro, ele só queria fazer com que sua filha não sofresse tanto. Mas ao contrário ela estava morrendo e levando seu neto com ela. Revoltado com seu dom, e com a sua decisão ele parou de rezar e não ia mais a igreja. Começou então a duvidar da sua fé e a beber.

Tudo foi muito rápido, bem pouco de um mês meu avô estava com uma expressão de cansaço, e minha mãe estava a cada dia, mais próxima do seu túmulo. Durante uma tarde em que meu avô passou bebendo, ele resolveu pegar a espingarda e sair para caçar durante a noite. Minha avó tentou impedi-lo, pois ele estava bêbado. Porém ele disse:

- Eu tenho que ir. Ele me aguarda lá na mata para acertarmos algumas coisas.

Minha avó ficou muito assustada e foi para o quarto onde estava a minha mãe. Ficou lá durante a noite toda rezando. E pedindo que Deus tivesse piedade e salvasse ao menos a vida de sua filha, já que não conseguiria salvar a do neto. Foi um pouco antes do sol nascer, quando a noite se fazia mais escura que meu avô chegou e entrou no quarto. Minha avó dormia ajoelhada ao pé da cama. Com uma voz serena ele falou:

- Maria acorde! Eu sei como salvar a nossa filha.

Minha avó abriu os olhos e desencorajada a acreditar viu meu avô em pé com a espingarda na mão. Questionou que horas devia ser e o que havia dito. E mais uma vez meu avô repetiu:

- Maria eu sei como salvar a vida da nossa menina.

Minha avó começou a chorar, e por ter muita fé em meu avô se dispôs a ouvi-lo.

- Maria meu amor, eu estava de tocaia na mata tentando caçar, quando de repente olhei para o lado e um vulto preto estava parado me olhando.

Minha avó arregalou os olhos e tremula indagou:

- Meu Deus homem, o que você viu?

- Calma Maria! Na hora eu também tive muito medo, porém ele me ajudou a enxergar muitas coisas. O pricipal foi que , ele me mostrou como salvar nossa filha.

- E como nós vamos fazer isso?

- Simples! Eu vou salvar o filho dela, então ela vai tomar gosto por viver de novo.

- Mas como você vai fazer isso?

Meu avô mudou um pouco a expressão de felicidade e olhou para o chão. Estendeu a palma da mão e ficou olhando. Minha avó ficou calada observando o seu estado contemplativo.

- Isso eu já fiz! Agora preciso avisar a ela para que volte a sorrir.

Minha avó acenou com a cabeça em concordância. Meu avô então foi e cochichou no ouvido de minha mãe, ela estava deitada reta sobre a cama, após as palavras de meu avô sem acordar ela sorriu e se virou. Ele então ajudou minha avó a levantar e a levou para o quarto. Os dois deitaram e dormiram.

Quando o sol raiou e preencheu o quarto minha avó acordou, e deu de cara com a minha mãe em pé na porta. Ela estava olhando para ela com um grande sorriso.

- Cadê o pai, mãe? – Perguntou a minha mãe.

Minha avó com um grande sorriso no rosto se levantou e disse:

-Não sei, já deve estar em pé na roça.

Minha mãe correu deu um abraço em minha avó e sentou na cama.

- Ontem sonhei que meu pai foi ao quarto e me disse que tudo ficaria bem. Que o meu filho irá nascer e herdar toda sabedoria que é dele.

As duas sorriram e ficaram por um bom tempo abraçadas. O dia se passou e nenhum sinal de meu avô, minha mãe foi até a roça levar a marmita e ele não estava por lá. Minha mãe tinha outros irmãos mais velhos, e todos foram categóricos ao afirmar que não viram meu avô voltar pra casa.


A notícia chegou já era de tardezinha, um amigo do meu avô foi até a mata próxima a nossa casa para cortar lenha. E achou o corpo do meu avô sentado sobre uma árvore. Com a espingarda apoiada no peito. Durante a noite ele saiu para caçar e deu um tiro em sua própria cabeça.

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