Há alguns dias um dos meus netos
me fez uma pergunta intrigante. Estávamos sentados sobre a mesa da cozinha, e
eu contava uma de minhas histórias. Já era bem tarde, e eles prestavam atenção
em minhas palavras, com uma expressão de surpresa. Quando um deles fez a grande
pergunta:
- Vô! O senhor já passou por
tanta coisa. Nunca se perguntou o porquê de tanto azar na vida?
- Sim! Já pensei nisso, mas não
chamaria de azar. Na verdade perguntei isso à bisavó de vocês.
- E o que ela disse vô?
- Tenho certeza de que gostarão
de ouvir esta história.
O Pai de minha mãe, o tataravô de
vocês, era muito conhecido por sonhar com coisas que acabavam acontecendo. Ele
era uma espécie de sensitivo, e era muito religioso, era sempre procurado para
rezar pessoas que estavam doentes ou com problemas. Assim que ficou sabendo que
minha mãe, a avó de vocês, estava grávida resolveu rezar o bebê em sua barriga.
Como já havia dito ele era um
homem muito especial, e na noite logo após a reza ele sonhou com minha mãe. Em
seu sonho ela estava deitada em uma mesa de mármore branco, coberta com flores,
usava apenas um vestido branco, e em sua barriga havia uma grande mancha de
sangue. Meu avô acordou assustado e suado e já sabia o que iria acontecer. Eu
não iria nascer, iria morrer dentro da minha mãe.
Meu avô passou algumas semanas
angustiado, e resolveu dizer a minha mãe sobre o sonho para que ela se
preparasse e não sofresse tanto com a perda. Porém o efeito foi contrário,
minha mãe entrou em depressão e não queria mais comer e nem sair do quarto. Aos
poucos foi ficando fraca e desgostosa com a vida. Bom, em resumo ela começou a
adoecer e só repetia a frase:
- Eu
quero ver o meu filhinho nascer.
Isso
esmagou meu avô por dentro, ele só queria fazer com que sua filha não sofresse
tanto. Mas ao contrário ela estava morrendo e levando seu neto com ela.
Revoltado com seu dom, e com a sua decisão ele parou de rezar e não ia mais a
igreja. Começou então a duvidar da sua fé e a beber.
Tudo foi
muito rápido, bem pouco de um mês meu avô estava com uma expressão de cansaço,
e minha mãe estava a cada dia, mais próxima do seu túmulo. Durante uma tarde em
que meu avô passou bebendo, ele resolveu pegar a espingarda e sair para caçar
durante a noite. Minha avó tentou impedi-lo, pois ele estava bêbado. Porém ele
disse:
- Eu
tenho que ir. Ele me aguarda lá na mata para acertarmos algumas coisas.
Minha
avó ficou muito assustada e foi para o quarto onde estava a minha mãe. Ficou lá
durante a noite toda rezando. E pedindo que Deus tivesse piedade e salvasse ao
menos a vida de sua filha, já que não conseguiria salvar a do neto. Foi um
pouco antes do sol nascer, quando a noite se fazia mais escura que meu avô
chegou e entrou no quarto. Minha avó dormia ajoelhada ao pé da cama. Com uma
voz serena ele falou:
- Maria
acorde! Eu sei como salvar a nossa filha.
Minha
avó abriu os olhos e desencorajada a acreditar viu meu avô em pé com a
espingarda na mão. Questionou que horas devia ser e o que havia dito. E mais
uma vez meu avô repetiu:
- Maria
eu sei como salvar a vida da nossa menina.
Minha
avó começou a chorar, e por ter muita fé em meu avô se dispôs a ouvi-lo.
- Maria
meu amor, eu estava de tocaia na mata tentando caçar, quando de repente olhei
para o lado e um vulto preto estava parado me olhando.
Minha
avó arregalou os olhos e tremula indagou:
- Meu Deus
homem, o que você viu?
- Calma
Maria! Na hora eu também tive muito medo, porém ele me ajudou a enxergar muitas
coisas. O pricipal foi que , ele me mostrou como salvar nossa filha.
- E como
nós vamos fazer isso?
-
Simples! Eu vou salvar o filho dela, então ela vai tomar gosto por viver de
novo.
- Mas
como você vai fazer isso?
Meu avô
mudou um pouco a expressão de felicidade e olhou para o chão. Estendeu a palma
da mão e ficou olhando. Minha avó ficou calada observando o seu estado
contemplativo.
- Isso
eu já fiz! Agora preciso avisar a ela para que volte a sorrir.
Minha
avó acenou com a cabeça em concordância. Meu avô então foi e cochichou no
ouvido de minha mãe, ela estava deitada reta sobre a cama, após as palavras de
meu avô sem acordar ela sorriu e se virou. Ele então ajudou minha avó a
levantar e a levou para o quarto. Os dois deitaram e dormiram.
Quando o
sol raiou e preencheu o quarto minha avó acordou, e deu de cara com a minha mãe
em pé na porta. Ela estava olhando para ela com um grande sorriso.
- Cadê o
pai, mãe? – Perguntou a minha mãe.
Minha avó
com um grande sorriso no rosto se levantou e disse:
-Não sei,
já deve estar em pé na roça.
Minha
mãe correu deu um abraço em minha avó e sentou na cama.
- Ontem
sonhei que meu pai foi ao quarto e me disse que tudo ficaria bem. Que o meu
filho irá nascer e herdar toda sabedoria que é dele.
As duas
sorriram e ficaram por um bom tempo abraçadas. O dia se passou e nenhum sinal
de meu avô, minha mãe foi até a roça levar a marmita e ele não estava por lá.
Minha mãe tinha outros irmãos mais velhos, e todos foram categóricos ao afirmar
que não viram meu avô voltar pra casa.
A notícia
chegou já era de tardezinha, um amigo do meu avô foi até a mata próxima a nossa
casa para cortar lenha. E achou o corpo do meu avô sentado sobre uma árvore.
Com a espingarda apoiada no peito. Durante a noite ele saiu para caçar e deu um tiro em sua própria cabeça.
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