A vida é mesmo curiosa, não é
verdade? Um dia desses, estava eu sentado em um banco, observando alguns
garotos mexendo em seus celulares. Não sou nenhum ancião, mas quando era garoto
sentava-me com os amigos para ouvir discos. Mas apenas por alguns minutos, pois
na maioria das vezes estávamos subindo em alguma coisa ou correndo para todos
os lados. Discos! Aposto que se perguntar a estes garotos eles nem fazem ideia
do que seja.
Diferente da minha época, hoje os
garotos ficam sentados com seus fones ouvindo música e jogando, mal conversam
entre si. Na minha época! Isso soou muito velho. Quando eu era pequeno, só quem
tinha dinheiro tinha telefone em casa - e quase não usava porque a ligação era
uma fortuna. O que me faz lembrar um dia em especial.
Era bem de tardezinha, quase
anoitecendo, minha mãe recebeu uma ligação no orelhão da rua. Isso era bem
comum naquela época, ligavam para o orelhão próximo a sua casa e pediam para te
chamar. Era minha tia dizendo que meu tio iria fazer uma viagem de emergência
pelo trabalho e perguntando se minha mãe podia dormir com ela, para fazer
companhia. Meus tios não eram ricos, mas levavam uma vida boa. Sei disso porque
eles tinham telefone e uma filmadora. Era uma maneira das crianças medirem a
riqueza naquela época.
Enfim, fomos para a casa da minha
tia, e eu estava bem empolgado, pois gostava muito de brincar com meus primos. Ao
chegar fomos logo brincar. Brincamos de pega-pega, pique alto polícia e ladrão,
e quando já estávamos cansados, minha tia montou uma cabana com cobertores e
cabos de vassoura na sala.
Minha mãe e tia foram para os
quartos dormir e nós ficamos fingindo que dormíamos na cabana na sala. Foi
quando Christian, meu primo mais velho, disse:
- Rafa! Você já brincou de passar
trote?
Na hora pensei que era alguma
pegadinha que eles iriam fazer comigo, mas mesmo assim disse não. O que rendeu
o assunto por parte do meu primo Gabriel.
- Poxa Rafa é muito legal! Eu e o
Cris fazemos direto! Nós pegamos a lista telefônica, procuramos um numero de
alguém e ligamos para a pessoa inventando alguma coisa.
Lembro que fiquei muito
desconfiado na hora, entretanto acabei cedendo à brincadeira. Gabriel puxou o
telefone até dentro da cabana improvisada, junto com a lista telefônica,
enquanto Cris foi até o quarto e trouxe uma lanterna e nos deu uma instrução:
- Gente, não faz muito barulho
para não acordarmos as nossas mães. Tenta rir baixo. Rafael faça as honras, escolha
primeiro.
Não lembro o nome ou o número do
primeiro trote que passei, mas lembro que estava nervoso com a história que
iríamos contar. Então inventei que era de uma promoção e a pessoa havia ganhado
um Fusca zerinho. Nós demos muitas risadas, principalmente porque meu primo Cris
parecia um profissional. Até mandar a moça gritar no telefone “EU QUERO MEU
FUSCA” ele fez.
Era muito divertido, mas as
coisas descambaram do divertido para desesperador de uma forma repentina. Já
havíamos passado uma dezena de trotes, quando Cris falou:
- Alguém quer ouvir uma história
bizarra?
Gabriel e eu acenamos com a
cabeça como quem dizia, ”Sim, por favor, conte”. Cris então continuou sua fala
bem baixinho, quase que sussurrando.
- Meu amigo de classe me deu um
numero para ligar 300 - 666. Ele disse para ligarmos neste número se quisermos
falar com espíritos.
Na hora fiquei bem assustado e
retruquei:
- Até parece Cris, desde quando
espírito atende telefone!
Meu primo Gabriel deu uma risada,
Cris ficou irritado e me desafiou:
- Já que você não acredita, liga
você primeiro!
Pensei pronto aí é a parte da
pegadinha, alguma hora o Cris ia chegar lá. Então sem pestanejar peguei o
telefone e disquei. Era um telefone cinza, daqueles que se disca girando um círculo.
A cada girada de disco os meus dedos ficavam mais suados, era como um presságio
de que algo iria acontecer. Quando o último número foi discado o telefone
começou a chamar. Chamou uma, duas, três, quatro, vezes. Na quinta eu falei:
- Pronto não tem ninguém. Era só
baboseira, vou desligar.
Mas Cris segurou a minha mão e
pediu para ouvir. Eu lhe passei o telefone, ele escutou com cara de surpreso e
desligou. Lembro que de certa forma todos nós ficamos desapontados e guardamos
o telefone na mesinha. Decidimos dormir depois disto.
Já estávamos dormindo quando ouvimos
o telefone tocar.
Levantamos e vimos que o telefone
tocava de dentro da cabana. Com cara de pavor e gaguejando Gabriel falou:
- Quem trouxe o telefone de volta
pra cá?
Deu-se então o início de uma
serie de acusações sobre quem teria trago o telefone pra cabana. Como eu tinha
certeza que era uma brincadeira do Cris, resolvi atender. Para minha surpresa
quando atendi só pude ouvir barulho de estática, como se fosse uma televisão
chiando em um canal mal sintonizado. Mesmo assim continuei:
- Alô! Quem fala?
Em meio à estática uma voz aguda
que mais parecia um grasnar de um pássaro respondeu:
- Você ligou para mim Rafael! Já se esqueceu?
Bati o telefone na hora! Minha
cara condenou para os meus primos que estava apavorado. Gabriel tomou um susto
e se inclinou para trás quando bati o telefone. Cris com os olhos arregalados
como de um gato acuado perguntou:
- Quem era?
-Não sei! Mas sabia meu nome!
Gabriel era o mais novo e seus
olhos começaram a encher de água, ele queria mostrar que não estava apavorado,
mas era inútil. A verdade é que todos nós estávamos. Foi aí que Cris teve a
brilhante ideia de tirar o fio do telefone.
- Pronto! Agora não tem como
ninguém lig.. – Mas antes mesmo de terminar a última palavra o telefone tocou
enquanto segurava!
Lembro que soltei um palavrão na hora, e o Gabriel começou a chorar
baixinho e dizer:
- Cris não atende! Chama a mãe,
por favor?!
O telefone seguia tocando e cada
barulho dele parecia uma agulhada na espinha de tão pavoroso. Resolvi então
tomar da mão do Cris e atender.
- O que você quer?
O mesmo som chiado e agonizante
me respondeu:
- O que eu quero? O que você quer
me ligando Rafael?
Minhas mãos tremiam, eu me
agarrava ao telefone com toda força que podia enquanto minha mão suava de
pavor. Porém nem mesmo isso me impediu de continuar.
- Quem é você?
Foi então que ouvi do outro lado
uma gargalhada pausada, como se pessoa estivesse rindo e engasgando ao mesmo
tempo.
- Você não vai querer saber quem
ou o que eu sou! Mas tenho alguém na linha que gostaria de ouvir sua voz.
Engoli seco as palavras que foram
ditas. Enquanto processava o que estava acontecendo a voz do outro lado mudou
para um tom estranhamente familiar e choroso.
- Por favor! Me ajuda, é muito
quente aqui! Eu não quero morrer, por favor eu tenho família!
Com toda minha força eu
arremessei o telefone pela entrada da cabana. O aparelho se chocou contra a
parede e quebrou em várias partes. Não preciso explicar que obviamente minha
mãe e minha tia chegaram à sala correndo. Mas neste momento eu estava mais
feliz em vê-las do que preocupado com o castigo que iria levar.
Meu primo Gabriel chorava sem
parar e eu fiquei meio atônito. Cris saiu da cabana e ficou olhando para nossas
mães sem saber o que dizer. Enquanto apavoradas, elas tentavam entender o que
havia acontecido. Christian despertou do seu transe e disse:
- Mãe alguém ligou nos ameaçando!
Eu fiquei com medo o joguei o telefone longe!
Fiquei aliviado pelo Cris assumir
a culpa pelo telefone quebrado no meu lugar. Minha tia o abraçou. E disse que
era pra ele se acalmar.
- Ring! Ring! Ring!
Em pedaços no chão o telefone
começou a tocar, e então corremos todos para o quarto da minha tia. Ela trancou
a porta e começamos a rezar e chorar ajoelhados ao lado da cama. O telefone
seguiu tocando por várias vez noite adentro. Ficamos presos no quarto, sendo
torturados pelo inexplicável barulho do telefone. O barulho parou logo quando
os primeiros raios de sol apareceram na janela do quarto. Finalmente
conseguimos dormir, mas não por muito tempo.
Desta vez a campainha da casa nos
acordou, minha tia correu aliviada para a porta. Todos foram atrás passando
pela sala. Vimos o telefone quebrado no canto, olhávamos para ele como se fosse
um cadáver. Ao abrir a porta demos de cara com a polícia, respiramos aliviados
até o policial abrir a boca.
A notícia não foi boa! Meu tio
havia batido de carro de madrugada. E o carro pegou fogo com ele dentro. Logo
entendi porque a voz no telefone me pareceu tão familiar.
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