Sentado na velha mesa de madeira
está Hugo. Há três anos este ritual era iniciado pela primeira vez. Ele fez
questão de sentar aonde talhou com um velho prego enferrujado seu nome e o de
Ana. Sim! Ana é o único motivo que faz Hugo voltar todos os anos a este
acampamento. Se não fosse por ela jamais voltaria.
Ele fica ali sentado, observando as meninas
que entram pelo salão principal a procura de Ana. Desde a primeira vez que Hugo
a viu ele sabia que ela era especial. Hugo nunca teve muitos amigos, no acampamento
Castor não foi diferente. Acostumou-se tanto a ser ignorado que nem percebe que
é invisível para o mundo. Mas para Ana não, ela é diferente, ao vê-lo sentado
na mesma mesa de madeira aonde se conheceram, a garota corre em sua direção e
se senta oferecendo-lhe um grande sorriso.
O sorriso de Ana é o que mais
agrada Hugo. É como um remédio para todas as suas dores, como se todo o resto
do ano não tivesse existido, só este momento quando a vê. As coisas se tornaram
assim desde que se conheceram. Para ser mais exato desde o incidente na floresta!
O fato é que depois deste evento
as coisas se tornaram ainda piores para Hugo, ele atribui isso à curiosa
situação de não se lembrar muito bem o que aconteceu naquela noite de
acampamento. Ele até que se esforça, entretanto sempre que parece que vai se
lembrar de algo sua cabeça dói como se estivesse sendo martelada por um
gigante.
Enquanto os dois estão sentados
na mesa observando os monitores do acampamento dar boas vindas, Hugo põe sua
mão sobre a mão de Ana. Ela olha e dá um grande sorriso contemplativo. Hugo
sorri e pergunta:
- Posso lhe fazer uma pergunta?
Ana fala bem baixinho com o canto
da boca, como se tivesse medo de ser pega por algum monitor falando fora de
hora.
- A resposta é não Hugo! Não
lembro o que aconteceu contigo!
Hugo fica um tanto sem graça e
desconcertado, dá um leve sorriso despretensioso e insiste no tema.
- Estou tentado me lembrar todos
os dias, sabe! É muito angustiante e doloroso, mas fiz um progresso. Você quem
me achou caído lá não foi!?
Ana fica nervosa e começa
tamborilar os dedos na mesa de madeira.
- Sim, foi. E daí, você já sabia
disso. Já lhe disse varias vezes.
Hugo desvia um pouco o olhar de
Ana e observa o seus nomes gravados na madeira.
- Eu não me lembrava disso! Mas
acabei lembrando que você estava lá, só que não estava sozinha! Certo?!
Ana olha Hugo de soslaio fitando com
incredulidade e medo. E responde em um tom bem baixinho.
- Sim! Tinha mais alguém!
Hugo consternado se inclina e
olha diretamente nos olhos de Ana. Como quem procura uma resposta sincera em
seu rosto.
- Porque escondeu essa parte?
Ana tenta esconder a verdade em
sua fala, mas fracassa tolamente, ela gosta muito de Hugo para conseguir enganá-lo.
Antes mesmo de terminar sua desculpa ela volta a trás e muda seu discurso.
- Não sei por... Desculpa! Eu sei sim, mas
tenho medo de te contar e perder você para sempre.
Hugo olha surpreso, mas no fundo
ele sempre desconfiou que Ana soubesse o motivo. Mas desconfiar é diferente de
ter certeza, desconfiar é torturante, te corrói com uma dor lenta pouco a
pouco. Ter certeza é uma pancada, dói absurdamente quando você descobre a
verdade, porém você para de ser corroído pela dúvida. E tendo base nesta
premissa Hugo suplica pela verdade.
- Por favor, me conte o que
aconteceu! Eu prometo que não irei mudar com você!
Ana com uma expressão fúnebre
olha para Hugo e começa a contar:
- Estávamos você e eu andando
pelo bosque perto da cabana principal, aquele velho chalé de madeira aonde os
monitores dormem. Sabe? Eu gostei de você desde a primeira vez em que nos
vimos! Estávamos sozinhos eu não via a hora de ganhar um beijo seu, mas não
sabia se era recíproco.
- Foi quando o Léo apareceu! Ele
fez alguma brincadeira contigo que você não gostou, me lembro dele te chamar de
covarde. E você retrucar dizendo que ele era covarde.
Ana para o que está dizendo e
olha nos olhos de Hugo, eles começam a ficar marejados pelas lágrimas.
- Ele te desafiou a subir em uma
arvore bem alta. E você disse que não, que era idiota subir em algo só para
provar que não era covarde.
- Mas eu fui uma tola, eu disse
que se você subisse, eu lhe daria um beijo. Você sorriu e escalou a árvore correndo.
Mas quando você chegou lá no alto o galho quebrou e você caiu! Entende foi tudo
culpa minha!
Hugo abre um sorriso largo segura
o rosto de Ana e diz:
- Calma, não chora! Tá tudo bem,
passou! Não foi culpa sua, o importante é que agora estou bem.
Ana abre um sorriso diferente,
não é aquele sorriso largo que acalma Hugo. Este é um sorriso de lástima e
acalanto.
- Hugo você nunca levantou depois
que caiu!
Hugo que até agora segurava o
rosto de Ana se afasta e olha dentro de seus olhos. Todas as lembranças
aparecem como um grande turbilhão, as sensações vividas, os gostos provados.
Não é como ver a vida inteira passar diante dos olhos, é experimentar novamente
toda sua vida do nascimento até sua morte de uma vez só. É como uma vela acesa
dentro de um quarto escuro. Ele compreende que nunca mais levantou daquele chão
frio.
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