domingo, 20 de outubro de 2013

O Escuro

Dormir sempre foi um problema para mim. Perdi a conta de quantas vezes eu já coloquei este assuntou em pauta, mas ele sempre volta à tona. Alguns dias atrás, um dos meus netos disse que tinha problemas para dormir. Perguntei o porquê. Ele com muita vergonha me disse ter medo de escuro. Então contei uma história a ele, que começou quando eu ainda era criança.
Quando eu era pequeno e morava na fazenda, na minha casa existiam três quartos: o dos meus pais, o dos meninos e o das meninas. Dormíamos eu e meus dois irmãos - Hélio e José. Como dormia sempre acompanhado, eu não sentia medo. Geralmente crianças gostam de dormir com pelo menos um fiozinho de luz acesa, mas meu pai dizia:
- Ora, moleque! Quando você dorme tu fecha o olho. Para que lampião aceso então?
Portanto, nunca tivemos o costume de dormir com luz acesa. Foi durante uma tardezinha que tudo começou a mudar. Estava andando no terreiro e notei que uma das minhas irmãs estava parada, olhando para dentro do galinheiro. Resolvi brincar com ela, agarrei em sua perna e fiz o velho barulho:
- Buuuuuuu!
Ela soltou um berro, virou e me agarrou chorando. Fiquei com pena. Pedi desculpas, e disse que havia sido brincadeira e que não precisava ficar nervosa. Ainda agarrada a mim, com muito custo, ela cessou o choro dizendo:
- Tem alguma coisa dentro do galinheiro. A mãe pediu para eu pegar os ovos, mas eu estou com medo.
- Fique calma que não tem nada lá dentro. Eu pego para você.
Entrei no galinheiro sem pestanejar, mas algo me chamou a atenção.
O galinheiro era uma construção simples feita de ripas de madeira, e tinha muitas frestas, já era de tardinha, mas o sol ainda estava presente. Deveria preencher o lugar com seus raios através das frestas. Só que não. Lá dentro reinava um escuro absoluto, tão mórbido e denso que parecia ter vida própria. Entretanto, ainda restava algo mais estranho ainda. Não ouvi o barulho de nenhuma galinha, e também não enxergava nada.
Coloquei a cabeça para fora do cubículo e pedi que minha irmã buscasse uma vela.
Enquanto ela foi buscar a vela, uma sensação estranha tomou conta de mim. Senti vontade de sair, mas não encontrava mais a saída. Aquilo me deu um desespero. Foi como se de repente eu tivesse sido envolto pela escuridão. Eu me senti sufocado, preso dentro de uma pequena caixa. Como se nada existisse, nem meu corpo. Somente os meus pensamentos vagando no nada. Tentei gritar ... porém, não ouvia a minha voz.
Senti uma mão me pegar pelo ombro e me sacudir. Foi aí que abri meus olhos e notei que minha mãe me sacudia enquanto eu berrava dentro do galinheiro.
Tudo havia voltado ao normal, do lado de fora meus irmãos assustados me olhavam, enquanto as galinhas cacarejavam sem parar voando e soltando penas. Foi uma sensação horrível. Me senti um idiota. Falei com a minha mãe o que aconteceu e ela somente repetia:
- Filho não tinha nada lá, você estava de olhos fechados.
Pouco tempo depois, ainda naquele dia, meu pai chegou da roça, minha mãe contou o ocorrido. Ele me chamou “carinhosamente” e falou:
- Moleque, para de ficar assustando a sua mãe. Se você fizer isso de novo vou te dar uma surra para você aprender. E nem me vem com esse papo de dormir de luz acesa.
Para o meu desespero a hora de dormir chegou, e depois do episódio do galinheiro eu estava apavorado. Deitei na minha cama esperando o sono vir, e nada. Demorou mas peguei no sono.
Devia ser de madrugada quando acordei, deitado de lado e pude observar meu irmão deitado. Sobre ele havia uma sombra espessa e densa. Na hora tentei levantar, mas meu corpo não se moveu. Eu estava imóvel preso à cama. Senti uma pressão enorme me afundando contra o colchão. De novo tentei gritar, mas a voz não saiu.  
Foi então que chamei a atenção do vulto negro que estava sobre o corpo do meu irmão, era como uma névoa negra disforme. Mas, acima da aparência, era a sensação da presença dela o que mais me perturbava. Eu comecei a rezar mentalmente, quando meus pensamentos foram invadidos por uma voz forte que drenava a minha coragem.
- Não adianta rezar. Tudo acaba aqui e agora.
Eu supliquei desesperado tentando me mover, mas era inútil.
- Por favor, vá embora!
- Não! Faz tempo que eu não me alimento tão bem.
Toda aquela sensação era perturbadora. Eu tentava gritar, mas parece que quanto mais força eu empregava e mais desesperado, mais emaranhado na teia da escuridão eu ficava. E cruelmente a voz debochava do meu desespero.
- Isso, criança. Grite! Grite bem alto para tentar ser ouvido.
Não havia o que fazer diante do desespero. Então eu resolvi me entregar. Parei de tentar me mexer, e relaxei. O medo estava me vencendo e não havia mais o que fazer. Desisti e aceitei a escuridão. Neste momento tudo mudou a voz que antes era forte e perturbadora, se tornou aguada e covarde.
- Não irá resistir, garoto? Irá se entregar e morrer?
- Sim. Não tem o que eu faça. Já entendi que vou morrer, então aceitarei isso sem medo.
Meus olhos se abriram, e eu me levantei na cama. Estava exausto como se tivesse corrido quilômetros, e suava frio. Meu coração batia desesperado, chorei sentado na cama por um bom tempo, mas voltei a deitar. Terminei meu sono, e quando acordei não disse nada a ninguém.

Até hoje a escuridão me visita e tenta me levar com ela. O segredo é relaxar e não ter medo. “Pois é do medo que as trevas se alimentam”.

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