domingo, 6 de outubro de 2013

O Mensageiro

Quando resolvi pôr no papel as velhas histórias que meus netos adoravam ouvir, não foi somente por eles. Em parte foi também uma forma de homenagear meu pai. Lembro-me de quando era pequeno e adorava ouvir suas historias. Essa experiência se tornou um combustível para contar os feitos que aconteceram durante a minha vida. Por isso deixarei aqui também uma história contada pelo meu pai, em sua homenagem.

Há algum tempo, um garotinho veio a adoecer de forma inesperada. Seu pai já estava há dias no hospital, dormia muito pouco e estava sempre de prontidão esperando uma melhora. Entretanto a boa notícia nunca chegava, um dia exausto e sem muita esperança ajoelhou perante a maca onde estava o filho e rezou. Pediu com fervor, suplicando para que algum sinal de melhora fosse mostrado. Estava tão cansado que pegou no sono ali mesmo, ajoelhado, caído sobre a maca.

Um som, tortuoso, tamborilando sobre o metal da maca o fez despertar. Olhou para o alto com a visão ainda embaçada e notou uma figura esguia. Era um homem alto, bem magro, de aparência quase esquelética, de olhos claros como Lápis-lazúli, cabelo bem cortado penteado para trás. Vestia um terno vinho escuro, muito bem cortado, que lhe conferia uma aparência muito elegante, apoiava sobre um cajado de ébano com detalhes em prata. Tal figura era inesperada e absurda, o pai levantou e perguntou ao homem:

- Boa noite! Quem é o senhor?

- Boa noite meu caro, me desculpe o susto, pode me chamar de mensageiro.

O homem sem entender nada olhou para seu filho, certificando de que estava bem, voltou novamente os olhos para o senhor e continuou o diálogo.

- Senhor, mensageiro, o que faz aqui? – Disse o pai com certa desconfiança.

- Trazer uma mensagem de morte, não é comum que eu faça isso, mas às vezes me dou ao capricho de aparecer antes de levar uma alma.

O homem ficou surpreso com a resposta, afinal, que tipo de pessoa faz um comentário deste tipo? Sabendo que seu filho está doente e acamado, sem pestanejar gritou pelos médicos. Não foi atendido, saiu pela porta do leito e berrou:

- Um médico, por favor!

O senhor calmamente esboçou um sorriso sarcástico, andando em direção ao homem, olhou em sua face e disse:

- Poupe a sua voz, ninguém irá te ouvir. Estamos só nós três aqui neste quarto e ninguém virá ao seu auxílio.

- Eu estou dormindo, só pode ser eu ainda estou dormindo! – Falava o homem desesperadamente. – Isso só pode ser um sonho, nada disso está acontecendo.

O velho sorriu mais uma vez e com uma voz rouca e serena enfatizou:

- Meu caro, o fato de ser um sonho não quer dizer que essa conversa não esteja acontecendo. Sente-se, eu tenho pouco tempo aqui antes de cumprir minha missão.

O homem horrorizado sentou, e olhou com atenção para o autodenominado mensageiro. Este silêncio durou alguns eternos segundos, não queria acreditar no que estava acontecendo. Decidiu então perguntar ao mensageiro o que lhe afligia há tantos dias.

- Meu filho vai morrer?

- Se você chama morrer, cumprir o que ele tem de fazer aqui neste plano, sim. Ele vai, afinal todos nós iremos cumprir o que viemos fazer aqui um dia.

- Mas isso vai ser agora? Meu filho não vai melhorar?

- Quanto ao tempo meu caro, não estou autorizado a dizer, cada um tem o tempo que lhe é destinado aqui. Embora alguns abreviem sua passagem.

O homem não conseguiu segurar as lágrimas, e elas começaram a banhar seu rosto. Olhava para o filho com uma dor no coração e com uma certeza de que, provavelmente não se falariam mais. Consternado murmurou:

- Então o que faz aqui? Se não pode me dar notícias da melhora do meu filho.

- Você pediu minha presença, pois bem estou aqui. Sempre quando chego uma alma tem que ir comigo, não fique bravo, um dia compreenderá.

- Não há nada que eu possa fazer, para aumentar os dias dele aqui?

- Nem os dias dele, e nem os seus.

O velho tirou um relógio do bolso todo em prata, ornamentado com ônix. Olhou atentamente e o guardou novamente no bolso, andou até o garoto e passou a mão sobre a sua testa. O pai estava de cabeça baixa, sentado sem nenhum consolo. O mensageiro bateu o cajado no chão disseminando suas ultimas palavras.

- Não é mais que um até logo. Pense que é somente um breve adeus, pois mais cedo do que você imagina vocês voltarão a se ver.

Um clarão branco como um albedo preencheu o quarto, o pai abriu os olhos e estava de joelhos em frente à maca. Já era manhã e o sol invadia o leito, quando uma enfermeira entrou e tomou um susto com o homem de joelhos no chão.

- Senhor! - Exclamou a enfermeira. – O senhor está bem?

- Sim, eu estava rezando e peguei no sono.

- Porque o senhor não vai tomar um café, deixa que eu cuido do seu filho.

- Não! Eu não tenho muito tempo com ele. – Disse o senhor.

- Claro que terá, ele vai melhorar o senhor vai ver.

O homem consentiu, mesmo triste e cabisbaixo, decidiu se ausentar um pouco para tomar uma xícara de café. Desceu desolado as escadas do hospital pensando no sonho que tivera. Estava com o pensamento tão longe que atravessou a rua sem perceber o sinal aberto, parecia em transe, um transe que foi quebrado por um forte barulho de buzina. Foi inevitável em poucos segundos, sentiu a pancada e viu o mundo rodopiar, caiu de costas sobre o asfalto, olhando para o céu. A boca amargou com um gosto alcalino e quente de sangue, parou de sentir o seu corpo e saboreou uma sensação de relaxamento nunca provada antes.



Por fim entendeu o que estava acontecendo, eram seus últimos segundos aqui, sua missão fora cumprida. Agradeceu por todos os segundos que lhe foi concedido na terra, por todas as pessoas que conheceu, por todos os lugares que visitou, por todas as experiências que passou. Por fim lembrou-se da frase que o mensageiro disse: “sempre quando chego uma alma tem que ir comigo, não fique bravo um dia compreenderá.”

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