domingo, 3 de novembro de 2013

A Estrada

Durante a juventude parece que nada de ruim pode acontecer conosco. Então casamos e temos filhos, e um pouco da nossa ousadia acaba indo embora. Um exemplo é dirigir, hoje só dirijo quando estou totalmente descansado. Se tiver um pouco com sono, paro o carro, busco um hotel, descanso. Depois sigo viajem.

Aprendi isso depois de anos pegando a estrada de madrugada, cansado, às vezes com o tempo ruim. Porém tinha que trazer dinheiro para a casa. Eu pensava que podia controlar meu cansaço, achava que simplesmente saberia quando meu corpo não aguentasse mais. Mas a verdade é que não sabemos, nunca sabemos o nosso limite, só chegamos a essa conclusão quando já é tarde demais para as consequências.


Houve um dia, em que eu dirigia madrugada adentro. Estava garoando um pouco, e o som da chuva batendo na lataria do carro, dava uma sensação gostosa. Senti que por um tempo estava bem relaxado, a ponto de não perceber mais a pista, por alguns minutos dirigi sem mesmo notar a paisagem ao meu redor. Somente ouvindo o barulho da chuva. Não sei quando aconteceu, só senti o barulho de aço batendo.

O tranco no cinto foi tão forte que abri os olhos, por alguns segundos curtos e demorados ao mesmo tempo, vi o carro rodar no ar. Quando caiu, rolou igual a dados jogados em um tabuleiro. Quando parou, não sabia de fato se estava vivo ou morto. O carro parou de cabeça para baixo, e sangue escorria por todo meu rosto. Com muito custo retirei o cinto e sai do carro. Sentia uma falta de ar forte, e minha perna doía muito.

Olhei ao redor e do outro lado da pista havia um carro, totalmente destruído. Movi-me cambaleante até ele, quando cheguei notei o vidro quebrado e jogado na grama um corpo, que sofria para respirar. Aproximei-me, vi que era um homem muito machucado que botava sangue pela boca. Assim que cheguei perto ele balbuciou:

- Rapaz, eu estou bem?

Ele estava com o corpo todo retorcido, e havia sangue para todo lado. Mas eu não podia dizer a verdade a ele.

- Sim, o senhor só está um pouco machucado.

- Eu não sinto meu corpo. – Disse o homem jogado ao chão.

Sentei ao lado dele, e a fim de tentar acalma-lo falei:

- Sem problemas a ambulância já vai chegar e nos tirar daqui.

Meus olhos começaram a fechar, estava difícil manter eles abertos. Não conseguia me lembrar de nada do que aconteceu. Só lembrava do tranco e o carro rodopiado no ar. Será que havia dormido dirigindo? Será que eu havia provocado o acidente? Por fim perguntei ao homem no chão:

- O senhor se lembra do que aconteceu?

- Não. Meu rapaz, acho que isso não faz diferença agora. Não podemos mudar o passado somente as nossas ações do futuro.

Ele virou o rosto com muita dificuldade e olhou para mim.

- Meu filho, não faça como eu. Diga às pessoas que você se importa, que as ama. Nunca sabemos quando a vida irá terminar.

Achei as suas palavras muito melancólicas, como se fossem uma despedida. Tentei dizer algo para anima-lo. Entretanto, a cada segundo ficava mais difícil me manter acordado. Mas com muito esforço eu disse antes de fechar os olhos:

- Não se preocupe, tudo vai acabar bem.

Acordei em um hospital cinco dias depois, meu corpo todo doía. Era como se eu tivesse passado por um espremedor de laranjas. Assim que abri os olhos uma enfermeira veio ao meu encontro. Ela estava bastante preocupada, e perguntou se eu lembrava algo. Expliquei tudo, da mesma forma que escrevi nas linhas anteriores. Ela ficou me olhando com uma cara de piedade.

- Senhor você bateu contra uma árvore. E pelo visto saiu do cinto atravessou a estrada e caiu desmaiado do outro lado. – Disse ela com um sorriso afável.

- Não pode ser. Havia um homem, nossos carros colidiram eu conversei com ele.

Então ela me perguntou:

 – Qual o nome do sujeito então senhor?

E eu não soube responder.

Passado alguns meses resolvi voltar ao local do acidente. Após muitos afirmarem que eu era sortudo, pois na curva aonde bati muitos já haviam morrido. Chegando lá reparei que haviam muitas cruzes e velas na curva. As pessoas colocavam em homenagem aos mortos. Foi quando no pé de uma cruz uma foto me chamou atenção, peguei e olhei. Era o homem que vi deitado no chão. Ele estava do lado de uma mulher e segurava um garotinho no colo.

Após olhar a foto sem saber a explicação, virei e olhei o verso. A data era de vinte anos antes do acidente. Junto dela estavam os dizeres.


“ João Neves Ribeiro, pai devotado esposo amável”  

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