Durante a minha adolescência
adquiri o habito de praticamente todos os fins de semana dormir na casa da
minha avó. Trabalhava a semana inteira na fazenda com meu pai, portanto sexta o
que mais queria era ir até a praça da cidade comer pipoca e conversar com os
meus amigos. Naqueles tempos não existiam muitas opções de diversão para um adolescente,
bem diferente dos dias de hoje. Existia uma coisa que adorávamos fazer, a casa
da minha avó tinha um quintal bem grande, então quando era no final da tarde caminhando para a noite, acendíamos uma fogueira e comíamos batata assada, às vezes minha avó
não estava tão ocupada com as costuras e nos fazia uma garrafa de café com
leite.
Houve uma ocasião em que
estávamos Rafael, Pedro e eu comendo batatas e conversando ao redor da
fogueira, quando minha avó apareceu no quintal junto de dona Ruth, uma vizinha
muito amiga da minha avó, e as duas ouviram a nossa conversa. Falávamos sobre
aparições, pois o pai de Pedro jurava ter visto uma mulher dentro do rio a
noite enquanto pescava. Foi quando dona Ruth com uma voz áspera e severa
interrompeu a conversa.
- Isso é coisa para se falar a
essa hora! Já está de noite, depois vocês vão ficar com medo de dormir.
Rafael rapidamente tomou a frente
da conversa e retrucou. – Dona Ruth! Ninguém aqui é criança mais não ué...
- Não são! Pois bem então me
deixa contar uma história para vocês.
Minha avó balançou a cabeça
negativamente e entrou dizendo que iria preparar um bule de café com leite.
Dona Ruth então se sentou ao redor da fogueira e pediu para quem tivesse medo
de alma penada entrar e não escutar a história, narrou então um acontecimento
que nunca mais saiu da minha cabeça.
Dizia ela que quando era pequena
sua irmã mais nova vivia arranjando motivo para as duas brigarem, e que por
diversas vezes chegaram a se agredir. Assim cresceram sem ser muito amigas e
confidentes, mas se gostavam, pois afinal eram irmãs. Quando dona Ruth
completou quinze anos seu pai era muito humilde e fez apenas um pequeno almoço
para a família e deu um belo vestido feito por encomenda de presente para ela.
Ela ficou muito satisfeita e feliz com tudo na época.
Dois anos se passaram e era a vez
da sua irmã mais nova debutar, só que as condições eram outras, há um ano seu
pai havia conseguido um emprego na estação de trem e o salário era bem melhor
e sua mãe estava fazendo faxina na casa do prefeito da cidade, que de presente
deu um garrote para a festa da sua irmã. Então sua família preparou uma festa
bem maior que a sua chamando a família, vizinhos e os amigos de escola.
No inicio dona Ruth sentiu um
pouco de ciúmes da irmã, mas passou, pois já era crescida e sabia que os tempos
eram outros e se seus pais tivessem condições na época, teriam feito o mesmo.
Foi então que na véspera da festa sua mãe a chamou no quarto e perguntou sua
opinião sobre o presente que iria dar a sua irmã. Era um colar banhado em prata
com um pequeno pingente de cristal em formato de gota.
Ruth achou lindo, e começou a
sentir raiva dos pais pois havia ganhado um vestido e um almoço para família e
sua irmã iria ganhar uma joia e teria uma grande festa. Não era justo, ela é
que era a filha mais velha. Mas não falou nada sorriu e disse que era lindo e
que sua irmã iria adorar.
Durante a noite Ruth mal
conseguiu dormir pensando no colar que sua irmã iria ganhar, e ao acordar
decidiu que ela não poderia receber o presente, foi então sorrateiramente até o
quarto da mãe pegou o colar e escondeu no forro do teto de seu quarto. Antes da
festa começar sua mãe foi pegar o presente e constatou que havia sumido, ficou muito
triste pois havia sido caro o presente e agora não teria nada para dar a filha.
O festejo passou sua irmã
entendeu e não fico chateada, no outro dia após a festa as três saíram para
comprar um sapato de presente, já que o colar havia desaparecido. Dona Ruth
nunca contou a ninguém e o colar ficou no forro por anos esquecido. Quando se
casou e mudou retirou o colar do forro e levou consigo guardando em sua casa.
Dona Ruth teve uma filha e pouco
tempo depois sua irmã morreu em um acidente de carro, ela ficou muito triste na
época por ter perdido a irmã e se isolou um pouco das pessoas, se dedicando
exclusivamente a cuidar da filha, o parto da menina havia sido difícil e seu
útero foi prejudicado durante o nascimento, nunca mais dona Ruth poderia ter um
filho. Portanto mimou sua única filha fazendo todas as suas vontades.
Quinze anos se passaram e a filha
de dona Ruth iria se tornar uma moça, toda feliz Ruth começou a organizar uma
grande festa como nunca teve, durante a organização se deparou novamente com o
colar ainda novinho que havia sido esquecido dentro do fundo do seu guarda
roupas. Era perfeito, sentiu na hora ao revelo que o destino a mandara roubar
para que este dia chegasse, pois o colar devia ser dela que era a filha mais
velha, portanto era de sua filha por direto ao legado.
Presenteou então a menina com o
colar, a festa foi linda e todos se divertiram, mas ao cair da noite a garota
começou a se sentir mal, como a festa já havia acabado a mãe mandou que a filha
deitasse que ela iria limpar tudo. Durante a madrugada dona Ruth acordou com
sua filha berrando, apavorada junto de seu marido correram para o quarto da
menina que estava chorando e suando de febre.
A garota atônita só repetia que
uma mulher entrou no quarto e tentou enforca-la, mediram sua febre e como
estava muito alta constataram que devia ser um delírio devido à enfermidade.
Levaram para o hospital onde passou a noite internada, isso seguiu durante uma
semana e a garota só piorava febre alta, dores, vomito e já não se alimentava
direito até que um dia o médico chamou seus pais para uma conversa.
- Meus senhores é difícil dizer
isso, mas vocês terão que levar sua filha para um hospital na capital, pois
aqui não temos mais nada o que fazer, já tentamos tudo ao nosso alcance e não
sabemos ainda o que sua filha tem.
O pai começou a procurar uma
forma de realizar a transferência, mas na época era muito difícil naquela
região conseguir uma ambulância para levar até a capital. Sua mãe então foi até
uma rezadeira da cidade, a velha disse que fosse sozinha até o quarto da garota
durante a noite, apagasse todas as luzes e acendesse uma vela vermelha dentro
de um copo com água pela metade.
Sem mais esperanças dona Ruth o
fez, foi até o quarto apagou todas as luzes da casa e acendeu a vela vermelha,
para seu desespero ao acender se deparou com a imagem de sua irmã ainda moça
deitada sobre a cama de sua filha. Ela tentou se levantar, mas não conseguiu
caiu de joelhos com as pernas enfraquecidas e com a sensação de peso sobre os
ombros a forçando contra o chão. Começou a chorar e pedir perdão, no momento
entendeu o que havia de fazer, mas não conseguia se libertar ficou durante
horas naquela posição chorando até a vela atingir a água e se apagar.
O cansaço era enorme, mas mesmo
assim foi até o hospital a pé, retirou o colar do pescoço de sua filha e o
levou de volta para casa. As semanas se
passaram sua filha melhorou, dona Ruth estava muito feliz e todos os dias
acompanhava a melhora da garota no hospital, até o dia da sua alta. Para não
forçar muito o físico da filha que havia acabado de sair do hospital seu marido
pediu um táxi.
O carro nunca chegou a completar
seu trajeto, bateu antes de chegar à casa de dona Ruth e com exceção da mesma,
todos morreram. Dona Ruth entrou em depressão e ficou internada durante muito
tempo, mas assim que teve alta disse que foi até o tumulo de sua irmã pediu
desculpas e deixou o colar sobre a sua lápide.
Quando dona Ruth terminou a
historia eu estava apavorado, pela revelação que havia acabado de escutar, e o
calor da fogueira já não conseguia aplacar o frio que a historia havia causado
em minha alma. Tomamos o café com leite
em silêncio e nada mais foi dito.
Mais tarde quando todos foram
embora questionei a minha avó sobre a veracidade da história, ela me levou até
seu quarto pegou uma caixinha de madeira abriu e lá estava o colar com a mesma
descrição que dona Ruth havia feito, minha vó me olhou e disse.
- Após a morte da filha ela veio
até aqui com esta caixa e me disse:
" ela levou a minha joia agora ela nunca mais terá a dela. Guarda contigo, pois aqui ela nunca irá achar."
" ela levou a minha joia agora ela nunca mais terá a dela. Guarda contigo, pois aqui ela nunca irá achar."
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