segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O Colar

Durante a minha adolescência adquiri o habito de praticamente todos os fins de semana dormir na casa da minha avó. Trabalhava a semana inteira na fazenda com meu pai, portanto sexta o que mais queria era ir até a praça da cidade comer pipoca e conversar com os meus amigos. Naqueles tempos não existiam muitas opções de diversão para um adolescente, bem diferente dos dias de hoje. Existia uma coisa que adorávamos fazer, a casa da minha avó tinha um quintal bem grande, então quando era no final da tarde caminhando para a noite, acendíamos uma fogueira e comíamos batata assada, às vezes minha avó não estava tão ocupada com as costuras e nos fazia uma garrafa de café com leite.


Houve uma ocasião em que estávamos Rafael, Pedro e eu comendo batatas e conversando ao redor da fogueira, quando minha avó apareceu no quintal junto de dona Ruth, uma vizinha muito amiga da minha avó, e as duas ouviram a nossa conversa. Falávamos sobre aparições, pois o pai de Pedro jurava ter visto uma mulher dentro do rio a noite enquanto pescava. Foi quando dona Ruth com uma voz áspera e severa interrompeu a conversa.

- Isso é coisa para se falar a essa hora! Já está de noite, depois vocês vão ficar com medo de dormir.  
    
Rafael rapidamente tomou a frente da conversa e retrucou. – Dona Ruth! Ninguém aqui é criança mais não ué...

- Não são! Pois bem então me deixa contar uma história para vocês.

Minha avó balançou a cabeça negativamente e entrou dizendo que iria preparar um bule de café com leite. Dona Ruth então se sentou ao redor da fogueira e pediu para quem tivesse medo de alma penada entrar e não escutar a história, narrou então um acontecimento que nunca mais saiu da minha cabeça.

Dizia ela que quando era pequena sua irmã mais nova vivia arranjando motivo para as duas brigarem, e que por diversas vezes chegaram a se agredir. Assim cresceram sem ser muito amigas e confidentes, mas se gostavam, pois afinal eram irmãs. Quando dona Ruth completou quinze anos seu pai era muito humilde e fez apenas um pequeno almoço para a família e deu um belo vestido feito por encomenda de presente para ela. Ela ficou muito satisfeita e feliz com tudo na época.

Dois anos se passaram e era a vez da sua irmã mais nova debutar, só que as condições eram outras, há um ano seu pai havia conseguido um emprego na estação de trem e o salário era bem melhor e sua mãe estava fazendo faxina na casa do prefeito da cidade, que de presente deu um garrote para a festa da sua irmã. Então sua família preparou uma festa bem maior que a sua chamando a família, vizinhos e os amigos de escola.

No inicio dona Ruth sentiu um pouco de ciúmes da irmã, mas passou, pois já era crescida e sabia que os tempos eram outros e se seus pais tivessem condições na época, teriam feito o mesmo. Foi então que na véspera da festa sua mãe a chamou no quarto e perguntou sua opinião sobre o presente que iria dar a sua irmã. Era um colar banhado em prata com um pequeno pingente de cristal em formato de gota.
Ruth achou lindo, e começou a sentir raiva dos pais pois havia ganhado um vestido e um almoço para família e sua irmã iria ganhar uma joia e teria uma grande festa. Não era justo, ela é que era a filha mais velha. Mas não falou nada sorriu e disse que era lindo e que sua irmã iria adorar.

Durante a noite Ruth mal conseguiu dormir pensando no colar que sua irmã iria ganhar, e ao acordar decidiu que ela não poderia receber o presente, foi então sorrateiramente até o quarto da mãe pegou o colar e escondeu no forro do teto de seu quarto. Antes da festa começar sua mãe foi pegar o presente e constatou que havia sumido, ficou muito triste pois havia sido caro o presente e agora não teria nada para dar a filha.
O festejo passou sua irmã entendeu e não fico chateada, no outro dia após a festa as três saíram para comprar um sapato de presente, já que o colar havia desaparecido. Dona Ruth nunca contou a ninguém e o colar ficou no forro por anos esquecido. Quando se casou e mudou retirou o colar do forro e levou consigo guardando em sua casa.

Dona Ruth teve uma filha e pouco tempo depois sua irmã morreu em um acidente de carro, ela ficou muito triste na época por ter perdido a irmã e se isolou um pouco das pessoas, se dedicando exclusivamente a cuidar da filha, o parto da menina havia sido difícil e seu útero foi prejudicado durante o nascimento, nunca mais dona Ruth poderia ter um filho. Portanto mimou sua única filha fazendo todas as suas vontades.
Quinze anos se passaram e a filha de dona Ruth iria se tornar uma moça, toda feliz Ruth começou a organizar uma grande festa como nunca teve, durante a organização se deparou novamente com o colar ainda novinho que havia sido esquecido dentro do fundo do seu guarda roupas. Era perfeito, sentiu na hora ao revelo que o destino a mandara roubar para que este dia chegasse, pois o colar devia ser dela que era a filha mais velha, portanto era de sua filha por direto ao legado.

Presenteou então a menina com o colar, a festa foi linda e todos se divertiram, mas ao cair da noite a garota começou a se sentir mal, como a festa já havia acabado a mãe mandou que a filha deitasse que ela iria limpar tudo. Durante a madrugada dona Ruth acordou com sua filha berrando, apavorada junto de seu marido correram para o quarto da menina que estava chorando e suando de febre.

A garota atônita só repetia que uma mulher entrou no quarto e tentou enforca-la, mediram sua febre e como estava muito alta constataram que devia ser um delírio devido à enfermidade. Levaram para o hospital onde passou a noite internada, isso seguiu durante uma semana e a garota só piorava febre alta, dores, vomito e já não se alimentava direito até que um dia o médico chamou seus pais para uma conversa.

- Meus senhores é difícil dizer isso, mas vocês terão que levar sua filha para um hospital na capital, pois aqui não temos mais nada o que fazer, já tentamos tudo ao nosso alcance e não sabemos ainda o que sua filha tem.

O pai começou a procurar uma forma de realizar a transferência, mas na época era muito difícil naquela região conseguir uma ambulância para levar até a capital. Sua mãe então foi até uma rezadeira da cidade, a velha disse que fosse sozinha até o quarto da garota durante a noite, apagasse todas as luzes e acendesse uma vela vermelha dentro de um copo com água pela metade.  

Sem mais esperanças dona Ruth o fez, foi até o quarto apagou todas as luzes da casa e acendeu a vela vermelha, para seu desespero ao acender se deparou com a imagem de sua irmã ainda moça deitada sobre a cama de sua filha. Ela tentou se levantar, mas não conseguiu caiu de joelhos com as pernas enfraquecidas e com a sensação de peso sobre os ombros a forçando contra o chão. Começou a chorar e pedir perdão, no momento entendeu o que havia de fazer, mas não conseguia se libertar ficou durante horas naquela posição chorando até a vela atingir a água e se apagar.

O cansaço era enorme, mas mesmo assim foi até o hospital a pé, retirou o colar do pescoço de sua filha e o levou de volta para casa.  As semanas se passaram sua filha melhorou, dona Ruth estava muito feliz e todos os dias acompanhava a melhora da garota no hospital, até o dia da sua alta. Para não forçar muito o físico da filha que havia acabado de sair do hospital seu marido pediu um táxi.

O carro nunca chegou a completar seu trajeto, bateu antes de chegar à casa de dona Ruth e com exceção da mesma, todos morreram. Dona Ruth entrou em depressão e ficou internada durante muito tempo, mas assim que teve alta disse que foi até o tumulo de sua irmã pediu desculpas e deixou o colar sobre a sua lápide.

Quando dona Ruth terminou a historia eu estava apavorado, pela revelação que havia acabado de escutar, e o calor da fogueira já não conseguia aplacar o frio que a historia havia causado em minha alma.  Tomamos o café com leite em silêncio e nada mais foi dito.

Mais tarde quando todos foram embora questionei a minha avó sobre a veracidade da história, ela me levou até seu quarto pegou uma caixinha de madeira abriu e lá estava o colar com a mesma descrição que dona Ruth havia feito, minha vó me olhou e disse.


- Após a morte da filha ela veio até aqui com esta caixa e me disse:

" ela levou a minha joia agora ela nunca mais terá a dela. Guarda contigo, pois aqui ela nunca irá achar."

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