sábado, 7 de setembro de 2013

O Vizinho

Após cumprir meu tempo de serviço obrigatório no exército acabei voltando para a fazenda do meu pai, onde vivi até os meus vinte um, quando fui tentar a vida em uma pequena cidade no estado do Rio de Janeiro. Há alguns anos uma indústria havia sido construída em uma pequena cidade e muitos migraram para lá. A esperança era de prosperidade, mas não foi o que ocorreu na vida da maioria. A cidade foi construída do zero ao redor da indústria, feita para atender as necessidades dos novos cidadãos, porém havia uma discrepância enorme, os funcionários que ocupavam cargos altos foram morar em bairros planejados pela própria usina, já os que não tinham estudo moravam em bairros de posse improvisados. Pois é, foi em um destes bairros que fui morar, um local longe do centro da cidade, sem ruas asfaltadas, sem esgoto, com iluminação precária e vários outros pormenores.

É bem verdade que também não tínhamos isso na fazenda onde morávamos, mas quando se mora em cidade isso faz uma grande diferença, afinal estão todos morando colados uns nos outros. Assim que cheguei à cidade consegui emprego de vigia noturno na usina e meu horário era bem diferente das outras pessoas, o que me levou a uma prática que carrego até hoje, o habito de dormir pouco ou quase nada durante a noite. Por diversas vezes fui um dos poucos acordados durante a madrugada em meu bairro, e devo confessar, não ouvi e nem vi coisas agradáveis durante a noite. Mas existiu um episódio que até hoje não consigo definir ao certo.

Ao lado da minha casa morava uma senhora que lavava roupas para fora e faxinava casas, ela morava sozinha com seu filho que devia ser um pouco mais velho que eu, o rapaz era muito calado e quase não saia na rua, à vizinhança inteira o tomava como vagabundo já que o rapaz não trabalhava e nas poucas vezes que dava a cara para fora do seu portão era para comprar cachaça em um pequeno boteco. No primeiro mês em que fui morar ao lado desta família, durante a noite escutei o garoto gritar ensandecido, os berros eram agudos e mostravam um sofrimento profundo, como se o seu corpo estivesse sendo lacerado de dentro para fora.

Passado alguns meses a rotina não mudou, fiquei convencido de que o rapaz tinha problemas mentais por isso nunca mais dei atenção ao ocorrido, até que um dia quando estava de folga vendo televisão de madrugada, ele iniciou a gritaria tendo uma das supostas crises dele, quando ouvi uma voz de mulher falar entre o espaço dos gritos:

- Calma, mamãe está aqui trouxe carne e cachaça, vai passar amanhã você estará melhor.

A frase me despertou uma curiosidade absurda sobre o que podia estar se passando ao lado da minha casa. Parte de mim então queria saber o que estava acontecendo e a outra parte queria se trancar no quarto e rezar para gritaria acabar. A metade curiosa venceu e quando os gritos diminuíram criei coragem, abri a porta e silenciosamente caminhei até o quintal. Peguei um caixote velho e encostei no muro para pode subir e olhar o que acontecia do outro lado.

 Ao olhar sobre o muro me deparei com a janela do quarto do rapaz entre aberta, estava muito escuro e não conseguia ver nada, mas escutava um pequeno barulho de corrente arrastando pelo quarto, ouvi também um bufar semelhante ao de um animal. Já estava prestes a descer do caixote quando em meio à escuridão um par de olhos amarelados se mostrou cintilando dentro do quarto, e um grunhido alto semelhante a uivo trovejou de dentro do pequeno cômodo. O susto foi tão grande que cai do caixote de costas no chão, levantei e corri para dentro da casa, me tranquei dentro do meu quarto e lá fiquei até clarear.

Passaram se alguns meses e sempre que escutava o grito de madrugada eu me certificava de que a porta do quarto estivesse bem trancada, até que um dia estava eu mais uma vez vendo televisão e escutei uma voz gritar por ajudar, diminui o volume da televisão e esperei atento. Foi quando um barulho de portão batendo misturado a um grunhido pode ser ouvido, parecia ter vindo do portão da minha vizinha, então rastejei até a cozinha e peguei uma faca grande de carne. Levantei cuidadosamente e olhei pela janela que dava para a rua, então alguma coisa deu uma pancada em meu portão gritando socorro. O extinto foi de sair para ajudar, mas quando ia sair, meu portão era vazado embaixo e deu para observar o que parecia ser duas patas de cachorro, porém mais largas e mais peludas. Tal visão me congelou, e o pedido de ajuda se repetiu por mais três vezes até que virou um grito de desespero, não consegui fazer nada fiquei imóvel olhando pela janela.

Os pés sumiram partindo em retirada, o barulho acabou voltei atônito para o quarto e me tranquei lá, foi difícil porém consegui dormir, no outro dia acordei por volta do meio dia e fui comprar uma quentinha. Quando sai dei de cara com uma multidão enfrente a casa da minha vizinha junto do carro da policia e do bombeiro. Perguntei para um senhor o que havia acontecido ele disse que ninguém sabia ao certo, mas a mulher havia sido encontrada morta toda retaliada e o garoto havia sumido.

O caso ficou famoso, pois ao entrar na casa a policia achou um quarto com correntes presas ao chão aonde tinha restos de animais mortos e várias garrafas de cachaça, os jornais da época noticiaram que a mulher havia sido morta em um ritual de feitiçaria pelo próprio filho que acabou fugindo. Mas o mais intrigante foi que o rapaz apareceu morto por atropelamento em uma estrada dois dias depois.


O caminhoneiro que atropelou o rapaz disse que não prestou socorro na hora, pois pensou se tratar de um animal, um lobo ou coisa parecida. O homem foi solto pouco tempo depois, devido à conclusão da investigação ter sido que o rapaz havia suicidado por remorso de ter matado a mãe. A verdade é que de alguma forma a historia dos jornais não me convenceram e que no fundo eu sei o que aconteceu ali aquele dia, mas minha mente não pode aceitar que tal absurdo exista. Portanto sigo sem dar uma definição ao ocorrido.

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