domingo, 1 de setembro de 2013

Herança Maldita

Ao longo da minha estrada presenciei coisas que não consigo explicar e outras que mesmo explicando vocês não seriam capazes de entender tamanha a estranheza. Meus netos sempre me ouviram com muita admiração, sempre atentos esperando por uma nova história. Não vivi muito, mas o suficiente para viver os eventos que irei contar nas próximas linhas. Alguns não presenciei, entretanto conheci pessoas que dariam sua própria alma para afirmar o que contaram. Observei em seus olhos quando me disseram a mesma aflição que senti quando tais fatos inexplicáveis aconteceram comigo. Por isso deixo a vocês meus netos a maior herança que podiam herdar, estás paginas malditas contendo toda a espécie de historias mal agorentas que gostavam tanto de escutar.


Não as escreverei em uma ordem cronológica, e sim por uma ordem de lembranças que essa mente falha conseguiu arquivar, e o primeiro acontecimento que me vem à mente se deu quando eu ainda era garoto. Durante a minha infância morávamos em uma pequena fazenda no interior do Espirito Santo, meu pai rotineiramente ao final da tarde ia até uma venda no centro da cidade e sempre voltava quando o sol já estava se pondo.

Certa vez após uma de suas idas ao centro quando voltava encontrou com um jovem rapaz de pele morena, calças pretas um pouco surradas, camisa branca de botões aberta, em sua cabeça repousava um chapéu de palha já bem batido.  O rapaz estava enrolando fumo em um cigarro de palha e fitava meu pai com certa frieza escorado na porteira de nossa fazenda. Meu pai que estava a cavalo reduziu a velocidade da cavalgada pôs a mão em seu facão que ficava na sela, assim que foi chegando próximo a porteira perguntou para o sujeito.

- Boa tarde. O senhor quer alguma coisa?

Disse meu pai que o jovem terminou de enrolar o cigarro e levantou um pouco o seu chapéu de modo que dava para ver nitidamente o seu rosto e retrucou.

- Boa tarde senhor. Desculpa se lhe assustei, eu sou parente do senhor Jonas e estou passando um tempo na casa dele. Estava caminhando por aqui e resolvi dar uma parada para pitar um cigarro.

- O senhor Jonas é muito meu amigo, bem que o senhor parecesse mesmo com ele só que mais moço.

- É o que todos dizem? Quer que eu abra a porteira pro senhor?

- Sim, fico agradecido.

O meu pai foi para casa sem dar muita importância ao ocorrido, chegou em casa tratou do que havia de fazer e foi dormir. A semana passou normal e o acontecimento foi esquecido, a minha família era muito religiosa e meu pai ia conosco todos os domingos pela manhã a igreja. No final da missa meu pai esbarrou com o seu velho amigo senhor Jonas e lembrou-se do ocorrido. Nesta hora eu esta ao lado do meu pai e escutei bem a conversa que os dois tiveram.

- Compadre Jonas, como senhor está? Esbarrei com um parente seu lá perto da minha fazenda.

- Parente meu? Qual o nome?

- Sabe que não perguntei! Mas ele parecia muito com o senhor só que mais novo, disse que estava hospedado em sua casa.

- Tem Certeza que era na minha casa? Não recebi ninguém em minha casa nos últimos dias.

- Estranho, porque ele me disse Jonas eu lembro bem.

- Estranho mesmo compadre porque não tem ninguém passando os dias lá em casa.

Meu pai ficou meio sem jeito na hora desconversou e foi embora, recordo-me que mais tarde ele conversava com a minha mãe naquele mesmo dia e tocou no assunto. Falou para ela tomar cuidado, pois achou a historia meio estranha. Minha mãe ficou um pouco nervosa com medo de ser alguém querendo fazer mal a nossa família. Os dias se passaram e meu pai como sempre, cavalgava todo dia até o centro e ao final da tarde voltava pra casa, mas não viu mas  o homem.

Passado um mês já havíamos esquecido do episódio, na fazenda a cozinha ficava fora da casa e o fogão a lenha dava para a frente da fazenda. Na ocasião estávamos todos jantando, quando escutamos um barulho forte de galope vindo da direção da porteira. Meu pai achou estranho levantou e ficou observando até que viu um homem se aproximar rapidamente sobre um cavalo, entrou e voltou com uma espingarda mandando que minha mãe entrasse em casa com todos nós.

O desespero foi geral minha mãe começou a chorar e entrou comigo e com meus irmãos para dentro da casa, ela correu com todos até o quarto dela, mas eu aproveitei o momento de distração devido ao apavoramento e me escondi debaixo da mesa do rancho aonde comíamos. Fiquei olhando meu pai sentado segurando a espingarda aguardando o que vinha a cavalo. Quando o homem chegou mais próximo meu pai viu que era o senhor Jonas, e esbravejando praguejou sua presença.

- O Jonas isso é hora de bater na casa dos outros, ainda mais a galope!

A pele do senhor Jonas que era morena estava esbranquiçada, ele respirava já sem folego e o desespero em seu rosto era tão grande que eu também fiquei apavorado embaixo da mesa. Seus lábios estavam acinzentados e suava bastante desceu do cavalo e gaguejando disse ao meu pai.

- Desculpa! Só que é caso de urgência.

- O que foi homem de deus alguém esta passando mal?

- Não. Eu vinha vindo da cidade e de repente meu cavalo empacou, como já estava escuro achei que tinha visto alguma cobra, parei e fiquei olhando para baixo, quando voltei meus olhos para estrada ele estava ali.

 - Ele quem homem! – Disse meu pai com voz de preocupação.

- Meu irmão… Meu irmão que morreu. – concluiu o amigo do meu pai já com a voz embargada e lagrimas nos olhos.

Andando de um lado para o outro aflito o amigo do meu pai começou a chorar compulsivamente, meu pai meio atônito sem entender o ocorrido só olhava para o homem chorando. Sem saber o que dizer abriu a garrafa de pinga que ficava sobre a mesa e serviu dois copos. Bebeu um e ofereceu o outro ao amigo, enquanto isso eu estava desesperado escondido sob a mesa.

- Tem certeza que era seu irmão falecido, Jonas?

- Tenho! Não tenho sombra de duvidas. Eu e meu irmão éramos muito ligados ele era um ano mais velho que eu, certa vez ainda jovens saímos para nadar em um poção perto de casa, meu irmão foi o primeiro a pular, mas não voltou, ficou agarrado lá no fundo em um galho de árvore. Só acharam o corpo alguns dias depois, ainda carrego a única foto que tiramos juntos, foi tirada na única vez que meu pai nos levou ao circo.

O amigo de meu pai enfiou a mão no bolso de trás da calça e retirou sua carteira, pegou uma velha foto já dobrada e entregou ao meu pai, não consegui ver a foto, mas meu pai desamassou o dobrado e olhou para a foto, sua feição obscureceu fazendo com que ele ficasse praticamente hipnotizado pela foto. Suas mãos começaram a tremer e ele pôs a foto encima da mesa. Com uma fala baixa e praticamente sem alma disse ao seu amigo.

- Jonas esse é o rapaz que estava na porteira e disse que estava em sua casa!


Meu coração gelou embaixo da mesa senti um aperto por dentro e comecei a chorar de medo, meu pai e seu amigo escutaram, meu pai olhou para de baixo da mesa e bravo me mandou entrar brigando comigo por estar escondido ali. Entrei em prantos meu pai e seu amigo ainda ficaram um bom tempo no rancho conversando não ouvi mais nada, Mas nunca mais me esqueci do pouco que ouvi.

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