Ao longo da minha estrada
presenciei coisas que não consigo explicar e outras que mesmo explicando vocês
não seriam capazes de entender tamanha a estranheza. Meus netos sempre me
ouviram com muita admiração, sempre atentos esperando por uma nova história.
Não vivi muito, mas o suficiente para viver os eventos que irei contar nas
próximas linhas. Alguns não presenciei, entretanto conheci pessoas que dariam
sua própria alma para afirmar o que contaram. Observei em seus olhos quando me
disseram a mesma aflição que senti quando tais fatos inexplicáveis aconteceram
comigo. Por isso deixo a vocês meus netos a maior herança que podiam herdar,
estás paginas malditas contendo toda a espécie de historias mal agorentas que
gostavam tanto de escutar.
Não as escreverei em uma ordem cronológica,
e sim por uma ordem de lembranças que essa mente falha conseguiu arquivar, e o
primeiro acontecimento que me vem à mente se deu quando eu ainda era garoto.
Durante a minha infância morávamos em uma pequena fazenda no interior do
Espirito Santo, meu pai rotineiramente ao final da tarde ia até uma venda no
centro da cidade e sempre voltava quando o sol já estava se pondo.
Certa vez após uma de suas idas
ao centro quando voltava encontrou com um jovem rapaz de pele morena, calças
pretas um pouco surradas, camisa branca de botões aberta, em sua cabeça
repousava um chapéu de palha já bem batido.
O rapaz estava enrolando fumo em um cigarro de palha e fitava meu pai
com certa frieza escorado na porteira de nossa fazenda. Meu pai que estava a
cavalo reduziu a velocidade da cavalgada pôs a mão em seu facão que ficava na
sela, assim que foi chegando próximo a porteira perguntou para o sujeito.
- Boa tarde. O senhor quer
alguma coisa?
Disse meu pai que o jovem
terminou de enrolar o cigarro e levantou um pouco o seu chapéu de modo que dava
para ver nitidamente o seu rosto e retrucou.
- Boa tarde senhor. Desculpa se
lhe assustei, eu sou parente do senhor Jonas e estou passando um tempo na casa
dele. Estava caminhando por aqui e resolvi dar uma parada para pitar um
cigarro.
- O senhor Jonas é muito meu
amigo, bem que o senhor parecesse mesmo com ele só que mais moço.
- É o que todos dizem? Quer que
eu abra a porteira pro senhor?
- Sim, fico agradecido.
O meu pai foi para casa sem dar
muita importância ao ocorrido, chegou em casa tratou do que havia de fazer e
foi dormir. A semana passou normal e o acontecimento foi esquecido, a minha
família era muito religiosa e meu pai ia conosco todos os domingos pela manhã a
igreja. No final da missa meu pai esbarrou com o seu velho amigo senhor Jonas e
lembrou-se do ocorrido. Nesta hora eu esta ao lado do meu pai e escutei bem a conversa
que os dois tiveram.
- Compadre Jonas, como senhor
está? Esbarrei com um parente seu lá perto da minha fazenda.
- Parente meu? Qual o nome?
- Sabe que não perguntei! Mas ele
parecia muito com o senhor só que mais novo, disse que estava hospedado em sua
casa.
- Tem Certeza que era na minha
casa? Não recebi ninguém em minha casa nos últimos dias.
- Estranho, porque ele me disse
Jonas eu lembro bem.
- Estranho mesmo compadre porque
não tem ninguém passando os dias lá em casa.
Meu pai ficou meio sem jeito na
hora desconversou e foi embora, recordo-me que mais tarde ele conversava com a
minha mãe naquele mesmo dia e tocou no assunto. Falou para ela tomar cuidado,
pois achou a historia meio estranha. Minha mãe ficou um pouco nervosa com medo
de ser alguém querendo fazer mal a nossa família. Os dias se passaram e meu pai
como sempre, cavalgava todo dia até o centro e ao final da tarde voltava pra
casa, mas não viu mas o homem.
Passado um mês já havíamos esquecido
do episódio, na fazenda a cozinha ficava fora da casa e o fogão a lenha dava
para a frente da fazenda. Na ocasião estávamos todos jantando, quando escutamos
um barulho forte de galope vindo da direção da porteira. Meu pai achou estranho
levantou e ficou observando até que viu um homem se aproximar rapidamente sobre
um cavalo, entrou e voltou com uma espingarda mandando que minha mãe entrasse
em casa com todos nós.
O desespero foi geral minha mãe
começou a chorar e entrou comigo e com meus irmãos para dentro da casa, ela
correu com todos até o quarto dela, mas eu aproveitei o momento de distração
devido ao apavoramento e me escondi debaixo da mesa do rancho aonde comíamos.
Fiquei olhando meu pai sentado segurando a espingarda aguardando o que vinha a
cavalo. Quando o homem chegou mais próximo meu pai viu que era o senhor Jonas,
e esbravejando praguejou sua presença.
- O Jonas isso é hora de bater na
casa dos outros, ainda mais a galope!
A pele do senhor Jonas que era morena
estava esbranquiçada, ele respirava já sem folego e o desespero em seu rosto era
tão grande que eu também fiquei apavorado embaixo da mesa. Seus lábios estavam
acinzentados e suava bastante desceu do cavalo e gaguejando disse ao meu pai.
- Desculpa! Só que é caso de
urgência.
- O que foi homem de deus alguém
esta passando mal?
- Não. Eu vinha vindo da cidade e
de repente meu cavalo empacou, como já estava escuro achei que tinha visto
alguma cobra, parei e fiquei olhando para baixo, quando voltei meus olhos para
estrada ele estava ali.
- Ele quem homem! – Disse meu pai com voz de
preocupação.
- Meu irmão… Meu irmão que
morreu. – concluiu o amigo do meu pai já com a voz embargada e lagrimas nos
olhos.
Andando de um lado para o outro
aflito o amigo do meu pai começou a chorar compulsivamente, meu pai meio
atônito sem entender o ocorrido só olhava para o homem chorando. Sem saber o
que dizer abriu a garrafa de pinga que ficava sobre a mesa e serviu dois copos.
Bebeu um e ofereceu o outro ao amigo, enquanto isso eu estava desesperado
escondido sob a mesa.
- Tem certeza que era seu irmão falecido,
Jonas?
- Tenho! Não tenho sombra de
duvidas. Eu e meu irmão éramos muito ligados ele era um ano mais velho que eu,
certa vez ainda jovens saímos para nadar em um poção perto de casa, meu irmão
foi o primeiro a pular, mas não voltou, ficou agarrado lá no fundo em um galho
de árvore. Só acharam o corpo alguns dias depois, ainda carrego a única foto
que tiramos juntos, foi tirada na única vez que meu pai nos levou ao circo.
O amigo de meu pai enfiou a mão
no bolso de trás da calça e retirou sua carteira, pegou uma velha foto já
dobrada e entregou ao meu pai, não consegui ver a foto, mas meu pai desamassou
o dobrado e olhou para a foto, sua feição obscureceu fazendo com que ele
ficasse praticamente hipnotizado pela foto. Suas mãos começaram a tremer e ele
pôs a foto encima da mesa. Com uma fala baixa e praticamente sem alma disse ao
seu amigo.
- Jonas esse é o rapaz que estava
na porteira e disse que estava em sua casa!
Meu coração gelou embaixo da mesa
senti um aperto por dentro e comecei a chorar de medo, meu pai e seu amigo
escutaram, meu pai olhou para de baixo da mesa e bravo me mandou entrar
brigando comigo por estar escondido ali. Entrei em prantos meu pai e seu amigo
ainda ficaram um bom tempo no rancho conversando não ouvi mais nada, Mas nunca
mais me esqueci do pouco que ouvi.
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