Incrível como nossa mente
funciona quando estamos com medo, quando eu era pequeno costumava me cobrir com
o cobertor ou o lençol, isso me dava uma força incrível para suportar o
desespero do desconhecido. Digo “quando era criança”, mas a verdade é que está
prática me acompanha até os dias de hoje, lembro-me de uma vez já jovem e
Servindo o exército que provavelmente fui salvo da insanidade pelo meu
cobertor.
Era inverno e fazíamos uma
espécie de treinamento durante a madrugada, o tenente Alvez nos deixava com o
caminhão do exército em uma clareira e tínhamos que superar a mata fechada e
chegar até um acampamento base. A caminhada era feita sempre por dois soldados,
naquela noite éramos eu e o soldado Vieira. Logo no início da caminhada Vieira
chegou a comentar comigo sobre antigas historias que circulavam no batalhão
sobre a mata, não dei muita ideia, afinal eu havia crescido em região rural e
estava acostumado a passar a noite caçando em mata fechada.
Após algumas horas de caminhada
já estávamos exaustos, o rifle que eu carregava parecia pesar uma tonelada a
mochila então nem se fala, decidimos então parar por alguns minutos para
descansar Vieira propôs que cada um descansasse vinte minutos enquanto o outro
montava ronda. Fui o primeiro a torar enquanto Viera montava ronda, peguei um
pequeno cobertor de campanha em minha mochila e deitei encostado em uma árvore.
Apaguei sem muita demora, acordei com um grito esganiçado rapidamente peguei
meu rifle e olhei ao redor apontando para o nada, a escuridão era tão intensa
que eu não conseguia enxergar nada a minha frente só sentia as plantas
farfalharem na minha roupa, então chamei pelo meu companheiro.
- Vieira... Vieira cadê você?!
Não fui respondido, estava com o
uniforme ensopada de suor como se estivesse marchando a horas sob o sol, chamei mais uma vez e no
final terminei a frase com um palavrão. Abri a mochila e tateando peguei a
minha lanterna, ascendi e comecei a revelar o que havia ao meu redor e nada.
Foi quando senti uma sensação estranha vindo do meu lado, apontei rapidamente a
lanterna e foquei para ver se conseguia ver algo, mas não! A sensação não
passou era como se estivesse alguém além do foco da lanterna me observado
dentro da mata.
- Quem está ai? Vieira é você?
Era obvio que ninguém iria
responder, mas era a minha esperança de que Vieira quisesse me pregar uma peça,
pois no início da caminhada ele falou coisas sobre a mata ser um local estranho
e que havia varias historias no batalhão. Enquanto tentava ver algo a lanterna
simplesmente apagou, meu coração acelerou, pois foi no ato da lanterna apagar que
tive a sensação de que algo andava em minha direção. Bati desesperadamente na
lanterna na tentativa dela voltar a funcionar e a sensação chegava mais perto,
o desesperou tomou conta de mim, peguei o cobertor e me cobri.
Embaixo dele tentei religar a
lanterna e nada, enquanto isso, fora da minha redoma protetora a sensação
chegava cada vez mais perto até que parou bem enfrente ao meu rosto, eu tinha
certeza de que havia algo ali parado enfrente a minha face, o medo foi tanto
que fiquei imóvel sob o cobertor. Rezei desesperadamente, mas a situação não
mudava então senti o peso de uma mão repousar sobre o meu ombro, naquele
momento eu tinha certeza de que iria morrer ali, foi quando inexplicavelmente a
lanterna acendeu embaixo do cobertor.
A mão soltou meu ombro e eu sabia
o que tinha de fazer se quisesse viver, levantei com a velocidade de um
relâmpago, trombei com algo e o cobertor caiu e sem olhar para trás corri. Sem
hesitar rasguei mata adentro correndo e foi assim até o dia clarear, quando me
aproximei do acampamento base já estava sem forças e ao avistar o tenente Alvez
apaguei.
Acordei um dia depois no hospital
da caserna e perguntei a enfermeira sobre o soldado Vieira, ela disse que ele
foi encontrado pouco tempo depois que cheguei ao acampamento, estava falando
sozinho andando pela mata e havia sido preso, pois agrediu os soldados que
tentaram abordar ele. Não demorou muito e o tenente Alvez chegou e passou a
tarde toda me interrogando sobre o ocorrido, expliquei tudo que aconteceu linha
por linha, mas o homem parecia não acreditar em mim.
Uma semana se passou e dentro
deste período eu sempre ia visitar o Vieira, que não falava coisa com coisa, uma
hora falava que o demônio estava na mata e que ninguém podia entrar lá, depois
falava que seus pensamentos estavam sendo roubados pelo senhor das árvores. O
fato é que não conseguia manter uma conversa com ele e descobrir o que
realmente aconteceu aquele dia. Até que desisti e parei com as visitas fiquei
sabendo que ele seria mandado para um sanatório do exercito.
Na tarde anterior eu estava de
serviço, no momento estava dentro do meu quarto escutando a voz do Brasil no
radio, quando um soldado entrou desesperado pedindo que comparecesse a sala dos
oficiais. Fui sem mesmo perguntar o que era, quando cheguei lá me deparei com o
tenente Alvez enfrente a uma mesa com um papel ensanguentado sobre ela.
- Boa tarde
Senhor, o que deseja?
- Soldado Santos, e com muita
tristeza que tenho que lhe dizer que o soldado Vieira se matou na cela agora a
tarde.
- Mas como isso aconteceu Senhor?
- Pela manhã ele apresentou uma
melhora e pediu lápis e papel, pois queria ordenar seus pensamentos. Ele
escreveu um bilhete e depois se matou furando a garganta com o lápis.
- Meu deus Senhor, mas o que ele
escreveu no papel?
- Leia Você mesmo Santos.
Peguei o papel cheio de sangue da
mão do tenente e li o que estava escrito, guardo na minha mente até hoje as
palavras contidas no papel, embora ele não esteja mais comigo, pois foi
arquivado como prova do suicídio.
“Santos meu amigo não entre na mata nunca mais, pois se ele te achar vai
entrar na sua mente e só a um jeito de tirar ele de lá... Fazendo o que ele
mais deseja, entregando sua alma a ele!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário