domingo, 1 de setembro de 2013

A Mata

Incrível como nossa mente funciona quando estamos com medo, quando eu era pequeno costumava me cobrir com o cobertor ou o lençol, isso me dava uma força incrível para suportar o desespero do desconhecido. Digo “quando era criança”, mas a verdade é que está prática me acompanha até os dias de hoje, lembro-me de uma vez já jovem e Servindo o exército que provavelmente fui salvo da insanidade pelo meu cobertor.


Era inverno e fazíamos uma espécie de treinamento durante a madrugada, o tenente Alvez nos deixava com o caminhão do exército em uma clareira e tínhamos que superar a mata fechada e chegar até um acampamento base. A caminhada era feita sempre por dois soldados, naquela noite éramos eu e o soldado Vieira. Logo no início da caminhada Vieira chegou a comentar comigo sobre antigas historias que circulavam no batalhão sobre a mata, não dei muita ideia, afinal eu havia crescido em região rural e estava acostumado a passar a noite caçando em mata fechada.

Após algumas horas de caminhada já estávamos exaustos, o rifle que eu carregava parecia pesar uma tonelada a mochila então nem se fala, decidimos então parar por alguns minutos para descansar Vieira propôs que cada um descansasse vinte minutos enquanto o outro montava ronda. Fui o primeiro a torar enquanto Viera montava ronda, peguei um pequeno cobertor de campanha em minha mochila e deitei encostado em uma árvore. Apaguei sem muita demora, acordei com um grito esganiçado rapidamente peguei meu rifle e olhei ao redor apontando para o nada, a escuridão era tão intensa que eu não conseguia enxergar nada a minha frente só sentia as plantas farfalharem na minha roupa, então chamei pelo meu companheiro.

- Vieira... Vieira cadê você?!

Não fui respondido, estava com o uniforme ensopada de suor como se estivesse marchando a  horas sob o sol, chamei mais uma vez e no final terminei a frase com um palavrão. Abri a mochila e tateando peguei a minha lanterna, ascendi e comecei a revelar o que havia ao meu redor e nada. Foi quando senti uma sensação estranha vindo do meu lado, apontei rapidamente a lanterna e foquei para ver se conseguia ver algo, mas não! A sensação não passou era como se estivesse alguém além do foco da lanterna me observado dentro da mata.

- Quem está ai? Vieira é você?

Era obvio que ninguém iria responder, mas era a minha esperança de que Vieira quisesse me pregar uma peça, pois no início da caminhada ele falou coisas sobre a mata ser um local estranho e que havia varias historias no batalhão. Enquanto tentava ver algo a lanterna simplesmente apagou, meu coração acelerou, pois foi no ato da lanterna apagar que tive a sensação de que algo andava em minha direção. Bati desesperadamente na lanterna na tentativa dela voltar a funcionar e a sensação chegava mais perto, o desesperou tomou conta de mim, peguei o cobertor e me cobri.

Embaixo dele tentei religar a lanterna e nada, enquanto isso, fora da minha redoma protetora a sensação chegava cada vez mais perto até que parou bem enfrente ao meu rosto, eu tinha certeza de que havia algo ali parado enfrente a minha face, o medo foi tanto que fiquei imóvel sob o cobertor. Rezei desesperadamente, mas a situação não mudava então senti o peso de uma mão repousar sobre o meu ombro, naquele momento eu tinha certeza de que iria morrer ali, foi quando inexplicavelmente a lanterna acendeu embaixo do cobertor.

A mão soltou meu ombro e eu sabia o que tinha de fazer se quisesse viver, levantei com a velocidade de um relâmpago, trombei com algo e o cobertor caiu e sem olhar para trás corri. Sem hesitar rasguei mata adentro correndo e foi assim até o dia clarear, quando me aproximei do acampamento base já estava sem forças e ao avistar o tenente Alvez apaguei.

Acordei um dia depois no hospital da caserna e perguntei a enfermeira sobre o soldado Vieira, ela disse que ele foi encontrado pouco tempo depois que cheguei ao acampamento, estava falando sozinho andando pela mata e havia sido preso, pois agrediu os soldados que tentaram abordar ele. Não demorou muito e o tenente Alvez chegou e passou a tarde toda me interrogando sobre o ocorrido, expliquei tudo que aconteceu linha por linha, mas o homem parecia não acreditar em mim.

Uma semana se passou e dentro deste período eu sempre ia visitar o Vieira, que não falava coisa com coisa, uma hora falava que o demônio estava na mata e que ninguém podia entrar lá, depois falava que seus pensamentos estavam sendo roubados pelo senhor das árvores. O fato é que não conseguia manter uma conversa com ele e descobrir o que realmente aconteceu aquele dia. Até que desisti e parei com as visitas fiquei sabendo que ele seria mandado para um sanatório do exercito.

Na tarde anterior eu estava de serviço, no momento estava dentro do meu quarto escutando a voz do Brasil no radio, quando um soldado entrou desesperado pedindo que comparecesse a sala dos oficiais. Fui sem mesmo perguntar o que era, quando cheguei lá me deparei com o tenente Alvez enfrente a uma mesa com um papel ensanguentado sobre ela.

- Boa tarde Senhor, o que deseja? 
                                                
- Soldado Santos, e com muita tristeza que tenho que lhe dizer que o soldado Vieira se matou na cela agora a tarde.

- Mas como isso aconteceu Senhor?

- Pela manhã ele apresentou uma melhora e pediu lápis e papel, pois queria ordenar seus pensamentos. Ele escreveu um bilhete e depois se matou furando a garganta com o lápis.

- Meu deus Senhor, mas o que ele escreveu no papel?

- Leia Você mesmo Santos.

Peguei o papel cheio de sangue da mão do tenente e li o que estava escrito, guardo na minha mente até hoje as palavras contidas no papel, embora ele não esteja mais comigo, pois foi arquivado como prova do suicídio.

Santos meu amigo não entre na mata nunca mais, pois se ele te achar vai entrar na sua mente e só a um jeito de tirar ele de lá... Fazendo o que ele mais deseja, entregando sua alma a ele!”


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